Rui Unas “em desconstrução”: “É preciso humildade e coragem para assumir o nosso racismo”

Humorista participa no movimento Em Desconstrução, que quer combater preconceitos estruturais. Figuras públicas questionam o racismo, o machismo e a LGBTQI+fobia. Esta terça-feira há uma “live” com o humorista Fábio Porchat.

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Rui Unas DR

Quase oito mil likes, mais de mil comentários e 600 partilhas. Publicado no sábado, este é o efeito de um post de Rui Unas no Facebook a declarar: “Sou um racista em desconstrução”.

Afirma que cresceu no meio da normalização do racismo, que nos anos 1980 se propagava “livremente, nas anedotas, nas histórias que ‘os pretos fizeram isto ou aquilo’”. “Não sei em que momento comecei a desconstruí-lo mas seguramente foi quando o assumi, mesmo sendo não consciente e não intencional. É o primeiro passo de um processo de transformação contínuo. É chocante e desconfortável, mas é a verdade. E hoje, mais do que nunca, quando os extremos se expressam e normalizam o que não pode ser ‘normalizável’ numa sociedade evoluída, urge essa desconstrução. De todas as partes.”

Ao PÚBLICO, o actor, humorista, apresentador de programas diz que dar o seu testemunho “para a eliminação de preconceitos é fazer uma profunda introspecção e detectar onde existe e porquê”. 

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Rui Unas faz parte do movimento Em Desconstrução, que “luta para combater e consciencializar sobre preconceitos estruturais” e foi lançado em Portugal neste fim-de-semana. A ele juntaram-se e vão juntar-se mais figuras públicas como o presidente da associação contra a corrupção Transparência e Integridade João Paulo Batalha, os humoristas César Mourão e Fernando Rocha e a jornalista Conceição Queiroz. São alguns dos que irão dar a cara sobre este e outros preconceitos como o machismo e a LGBTQI+fobia. 

Este é um movimento que foi lançado no Brasil em Agosto e teve como rosto mediático o actor e humorista da Porta dos Fundos Fábio Porchat que, como Fafá de Belém, participa na campanha em Portugal.

Rui Unas acredita “que existe muito racismo não consciente e não voluntário que precisa de ser alvo de reflexão”. Mas é preciso “humildade e coragem para assumir o nosso racismo”, refere, “humildade para reconhecer que estamos errados e coragem para assumi-lo conscientemente e mais ainda publicamente”. Por isso, diz: “Se o meu exemplo servir de incentivo já serviu o propósito”.

Criado pelo designer activista Marcos Guimarães, chega agora a Portugal pela mão da empresária e activista pelos direitos humanos Myriam Taylor, em parceria com organizações como o SOS Racismo, a ILGA Portugal e a HeforShe Lisboa (da ONU Mulheres). Além de ser uma campanha contra o racismo, este é um movimento para “dar visibilidade, provocar reflexão e propor acções concretas contra o racismo, a LGBTQI+fobia e o machismo”. Também participam na equipa Juliana Santos Wahlgren, da ENAR (Rede Europeia contra o Racismo), e Paula Cardoso, fundadora do projeto Afrolink.

Esta terça-feira, às 20h, há uma emissão em directo no Facebook com estes membros, onde participa também o actor Fábio Porchat.

Sem vitimização ou culpabilização

Rui Unas diz que foi por volta dos 20 anos que começou a assumir o preconceito, mas não precisa “um momento exacto”, não foi “de um dia para o outro”. “Diria que é um processo contínuo”, refere. “Foi a partir do momento em que comecei a privar e interagir com todo o tipo de pessoas (cor de pele, orientações sexuais, nacionalidade).” Por isso, refere que a adesão ao movimento “não deriva de algum despertar de consciência recente”. “Já a tenho há bastante tempo”, diz.

Os seus posts do Instagram e Facebook teve um grande feedback, com críticas e elogios. “Muita gente percebeu a mensagem. Muita gente assumiu que está nesse processo. Há uma ínfima parte que não compreende, ou recusa-se ou simplesmente não tem capacidade para entender. Não são casos perdidos. Cada um tem o seu tempo.”

Segundo Myriam Taylor, a lógica da campanha “é não haver nem vitimização, nem acusação”, explica ao PÚBLICO. Trata-se de “uma tomada de posição individual”, um convite “à tomada de consciência” e a ideia é que cada pessoa que adere seja uma voz do preconceito em desconstrução. “Pedimos que estas pessoas usem a sua influência para questionar, que se posicionem e que sejam coerentes.” A participação faz-se com a partilha de histórias pessoais que mostram a presença do racismo no quotidiano e a forma como cada um o reproduz.

Myriam Taylor elogia a bravura dos que dão a cara: “É preciso ter coragem e querer mesmo contribuir para a alteração de paradigma, para que possamos assumir isto com a nossa quota-parte de responsabilidade. Passar por um processo de desconstrução significa alterar a narrativa. Estamos a falar de preconceitos que impossibilitam a igualdade de oportunidades.”

Houve quem criticasse a campanha, referindo que, ao se assumirem como racistas, as pessoas estavam a normalizar quem comete actos racistas. Myriam Taylor diz que “é justamente o oposto”: “O que se pretende é que as pessoas ponham em causa acções e pensamentos que foram normalizados e que passem a ser observados com outras lentes. É uma arena onde expõem o seu processo de desconstrução.”

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