A Leitão & Irmão é uma “história feliz” à beira dos 200 anos

Histórica joalharia e ourivesaria nascida no Porto, foi em Lisboa que se enraizou. A loja do Chiado, com quase 150 anos, reabre renovada.

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Nuno Ferreira Santos
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Chão
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Ali no Bairro Alto correm dias de azáfama. Oculta por uma discreta porta verde, a oficina da Leitão & Irmão fervilha para ter pronto o presépio a tempo do Natal.

Não é só moldar uma Virgem Maria, um menino Jesus e um São José, há uma panóplia de personagens a reclamar atenção. Mais os seus acessórios. O burro, a vaca, os reis magos. A leiteira, a lavadeira, o marceneiro, o pescador, o cão, o poço.

Os artesãos, cada qual com sua especialidade, trabalham compenetrados nas bancas. “O que vê aqui a ser cinzelado é a roldana do poço”, elucida Jorge Van Zeller Leitão. O actual dono da casa circula sem dificuldade entre as bancas e a maquinaria por labirínticos caminhos. O ambiente nada tem do charme habitualmente associado à joalharia e ourivesaria, mas sem esta oficina de tosco aspecto, reminiscência de um Bairro Alto já quase desaparecido, a casa Leitão nada seria.

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Tanto assim é que esta manufactura está classificada, juntamente com a loja do Chiado, como Loja com História pela Câmara de Lisboa. “Aqui já há uma alma própria. Há um passar, não só de conhecimento, mas de querer fazer bem, de gosto, de saber servir adequadamente”, explica Jorge Leitão.

Servir adequadamente pode ser, por exemplo, demonstrar ao cliente que o frappé de champanhe que idealizou, com talheres de antigos faqueiros produzidos pela casa Leitão, será mais prático em duas peças separadas do que numa só. É que o cesto exterior, com as facas, os garfos e as colheres de prata soldados entre si, tem já um peso de respeito. Com o balde colado seriam mais uns quilos. Acrescente-se-lhe a água e as garrafas de champanhe… A obra está quase pronta. “Isto custa o preço de um bom automóvel”, resume Leitão, com um sorriso que se adivinha atrás da máscara.

Esta terça-feira é dia de festa para a Leitão & Irmão. A marca ainda não celebra o bicentenário (só em 2022) e à loja do Chiado ainda lhe faltam sete anos para atingir o século e meio, mas este estabelecimento, que desde 1877 está ao lado da Igreja do Loreto, reabre após obras de remodelação. Um investimento decidido a meio da pandemia e que o dono descreve como “uma reconstrução actualizada”. Os tons amarelos e cinzentos mantêm-se, o que surge é uma zona de calçada portuguesa onde simultaneamente se realça esta arte e as peças de joalharia que estarão visíveis no expositor.

“Uma loja que a casa Leitão abra fora de Portugal terá calçada portuguesa”, garante Jorge Leitão. Está nos planos, ainda sem prazos. Para já, a empresa está concentrada em preparar o festejo dos 200 anos, ocasião em que será lançada uma nova colecção de jóias com o manuelino como tema principal. “O único estudo que eu tenho é de patrão de mar alto. Foi no mar que Portugal se fez grande e deu ao mundo a herança fantástica. Isto conta precisamente a história do grande feito de um país pequeno.”

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Um presépio tecnológico

Sexta geração da família Leitão, Jorge chegou ao negócio como todos os seus parentes: pagando. “A empresa nunca foi herdada. Quem tomou conta dela sempre teve de pagar. Ninguém recebeu isto de mão beijada para estragar à vontade. Parte do segredo da longevidade está aí”, comenta.

Fundada no Porto em 1822 por José Pinto Leitão, a casa conheceria grande expansão após o casamento deste com Maria Delfina, filha de um próspero negociante de ouro com o Brasil, José Teixeira da Trindade. “É a história feliz de uma menina rica que casou com um rapaz trabalhador”, resume sorridente o descendente Jorge, que tomou conta da empresa no pós-25 de Abril.

A Leitão & Irmão forneceu joalharia e ourivesaria para as casas reais europeias, com a portuguesa à cabeça, para o Vaticano, para Fátima e até para a Federação Portuguesa de Futebol – a Taça de Portugal é criação da casa. “Mas não é correcto confundir a casa Leitão com uma casa antiga. É uma casa moderna, se possível sempre um passo à frente”, adverte Jorge Leitão.

O presépio é disso exemplo, garante. Querendo recuperar a tradição do presépio coleccionável, em que se vai juntando uma personagem nova a cada ano, Jorge foi à procura de artesãos que modelassem as figuras. Encontrou-o no Norte. “Lá o consegui convencer a modelar 50 peças para um presépio”, recorda. Cada uma delas foi depois digitalizada em 3D e no computador corrigiram-se pequenas imperfeições. O modelo seguiu para a Alemanha, onde foi impresso em três dimensões, e chegou à oficina do Bairro Alto para ser replicado em prata.

“Só a scannerizar demorámos mais de um ano. As primeiras peças saíram há dois anos e o presépio há-de estar completo em 2023, quando se comemoram os 800 anos de S. Francisco de Assis, que foi a pessoa que tirou o presépio das igrejas e o pôs em casa das pessoas”, explica Jorge Leitão.

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