Mon ami Órban

Portugal tende a ser complacente mesmo quando dentro das suas portas o Estado, ou os seus representantes, cometem crimes.

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Portugal é um aliado assumido da Hungria e da Polónia. A posição que o Governo português teve no Conselho Europeu de não querer inscrever o respeito pelo Estado de direito nas questões orçamentais – e que estão a levar agora ao boicote da Hungria e da Polónia da “bazuca” de combate à crise – é coerente com as declarações que António Costa fez depois da sua visita ao primeiro-ministro húngaro, Viktor Órban.

Na altura, há cinco meses, Costa recusou que a atribuição de fundos estivesse ligada ao respeito pelo Estado de direito. O Governo português recusa “discutir simultaneamente valores e dinheiro”: “Os valores não se compram. Se há um problema de valores, aí deve ser tratado, como está previsto, no Artigo 7.º como uma condicionante à participação na própria União.”

Há matérias em que não se pode ser tímido, mas Portugal tende a ser complacente mesmo quando dentro das suas portas o Estado, ou os seus representantes, cometem crimes. Por exemplo: a estas horas não sabemos se os polícias da esquadra de Alfragide condenados continuam ao serviço ou não. O PÚBLICO fez perguntas e tanto o Ministério da Administração Interna como a Polícia remeteram-se ao silêncio.

Na quinta-feira, o Tribunal da Relação confirmou a condenação de oito dos 17 agentes que estavam na esquadra de Alfragide a 5 de Fevereiro de 2015 e que agrediram seis jovens. A antiga ministra da Administração Interna Constança Urbano de Sousa veio defender a expulsão dos agentes. O ministro da Administração Interna recusa-se a responder se os agentes continuam ao serviço. A PSP também não.

O tribunal que os condenou não falou em suspensão de funções – o que vai agora acontecer? Não sabemos, o Governo não diz. Aparentemente, a oposição, ocupada com outros afazeres, também não pergunta com muita ênfase.

Um cidadão ucraniano é assassinado por agentes do SEF no aeroporto de Lisboa. Esses agentes identificados pela IGAI – Inspecção-Geral de Administração Interna continuam a trabalhar no aeroporto, embora longe do centro de detenção temporária. Quase nove meses depois, a directora do SEF (que nunca pensou demitir-se) vem falar do caso admitindo que os funcionários do Estado exerceram “tortura evidente”.

Numa entrevista à RTP, Cristina Gatões disse: “Nenhum de nós dorme descansado com uma morte destas às costas.” Infelizmente, não é verdade. A moderada indignação com que estes casos foram recebidos demonstram alguma indiferença popular relativamente ao Estado de direito. Dorme-se demasiadamente bem em Portugal.

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