OE 2021: Uma sentença para o sector automóvel

O Governo recusa-se a apoiar um sector que não consegue inverter a quebra acentuada nas vendas, arriscando-se a pagar uma factura mais avultada do que a receita fiscal de que não quer abdicar.

São os momentos de dificuldade que nos obrigam a criar oportunidades. Uma filosofia que o Governo português decidiu não seguir na elaboração do Orçamento do Estado 2021, pelo menos, no que ao sector automóvel diz respeito. Esta indústria, que representa 8% do PIB nacional, tem sido das mais castigadas pela actual pandemia. Nos primeiros dez meses de 2020, as quebras ultrapassam os 35% e as vendas de veículos novos já atingiram recuos homólogos de 26,8%. Mesmo com esta visível quebra, este que é dos sectores mais importantes para a economia portuguesa foi esquecido no OE 2021. O documento não traz alívios na carga fiscal nem ajuda em termos de incentivo à venda no mercado interno.

O automóvel é o produto mais exportado por Portugal. Movimentada por 152 mil trabalhadores, esta indústria representa 15% do total das exportações nacionais, num total de 8,8 mil milhões de euros em vendas para o exterior, anualmente. Quase a totalidade dos automóveis produzidos no país (98%) segue para exportação, sendo que esta dependência das vendas externas se tornou um catalisador das dificuldades que começaram a assolar o sector com a chegada do vírus covid-19.

Esta situação poderia ter levado o Governo a criar algumas oportunidades para empresas e até para os próprios portugueses, enquanto compradores e estimuladores do sector. Mesmo que não fosse a resposta para todos os males que a indústria nacional de automóveis enfrenta, com certeza ajudaria a aliviar muitos constrangimentos. No entanto, o Governo recusou-se a implementar propostas, como o incentivo ao abate de veículos em fim de vida.

Esta medida – já levada a cabo este ano por Espanha, França e Itália – poderia ser vista como uma oportunidade para, por exemplo, estimular a renovação do parque automóvel português, que é um dos mais antigos (os carros portugueses têm, em média, 13 anos) e, consequentemente, dos mais poluentes da Europa. Além disso, seria possível minimizar as quebras superiores a 270 milhões de euros, esperadas com os novos cálculos para o ISV (Imposto Sobre Veículos).

Em vez disso, o Governo retira os benefícios fiscais na aquisição de veículos híbridos e híbridos plug-in em sede de ISV, cedendo a pressões políticas e não ouvindo o sector. Por outro lado, esta medida é um retrocesso em termos da redução de emissões. Estamos, assim, a penalizar viaturas menos poluentes e que iriam contribuir para a necessária descarbonização.

O Governo recusa-se, assim, a apoiar um sector que não consegue inverter a quebra acentuada nas vendas, arriscando-se a pagar uma factura mais avultada do que a receita fiscal de que não quer abdicar. Com este OE 2021 ameaçam-se postos de trabalho, visto que entre Janeiro e Outubro de 2020 venderam-se menos 37,1% veículos do que no mesmo período de 2019. Esta falta de apoio assente na recusa em não perder uma grande fatia da receita fiscal – o sector automóvel é responsável por quase dez mil milhões de euros, 21% das receitas fiscais totais do Estado – pode revelar-se, assim, uma triste sentença.

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