Pode o PCP fazer o tempo esticar? E encolher?

É provável que Einstein explicasse isto melhor do que eu, mas o XXI Congresso do PCP parece fazer o tempo esticar quando na verdade está a fazê-lo encolher.

Quando mergulha no Gargântua, Cooper (Matthew McConaughey) descobre que cada hora no planeta oceânico corresponde a sete anos na Terra. Christopher Nolan podia deixado o Interstellar nesta orla entre a ficção científica e Einstein, mas quis que Hanz Zimmer fosse mais longe e o tique-taque da cena tem intervalos de 1, 25 segundos: porque cada compasso da música corresponde a um dia de filme na Terra. Cooper percebe que perdeu 23 anos, 4 meses e 8 dias porque foi esse o tempo que Romilly (David Gyasi) contou enquanto esperou aqueles minutos: “O tempo é relativo, pode esticar ou encolher, mas não pode voltar atrás”.

É provável que Einstein explicasse isto melhor do que eu, mas o XXI Congresso do PCP parece fazer o tempo esticar quando na verdade está a fazê-lo encolher.

Jerónimo de Sousa mantém-se secretário-geral, mas os seus 73 anos estão a colocar necessariamente em discussão o tempo do mandato, tendo em vista não tanto as presidenciais (Janeiro) ou autárquicas (Setembro ou Outubro de 2021), onde estará resguardado pelas particularidades dos candidatos individuais, mas sim as legislativas (Setembro ou Outubro de 2023).

Estará assim o PCP a fazer o tempo de Jerónimo esticar até 2023 para depois fazê-lo encolher e abrir novo ciclo? Se a pergunta puder ser colocada nestes termos, terá chegado o tempo de João Ferreira? Ou aconselharão os 100 de anos que o PCP completa em Março maior cautela com a narrativa?

Talvez se possa começar pelo início.

A importância da liderança Carlos Carvalhas (79 anos) continua por resgatar, mas sabe-se que abandona por sua vontade o comité central e abandona de certa forma reconciliado com a história na exacta medida em que o PCP acolheu a ideia de convergência à esquerda. É importante começar por aqui porque o sucessor directo de Álvaro Cunhal sofreu com uma certa “psicose de desvio de direita” (mal) fundamentada nas “origens burguesas”. Foi Jerónimo de Sousa, Francisco Lopes, Jorge Cordeiro e José Capucho (os únicos dirigentes com assento em todos os órgãos de direcção) que concretizaram a primeira política de alianças com esse mesmo PS.

Porquê? Porque Jerónimo tem aquilo que faltou a Carvalhas: as credenciais de operário.

Quando o PCP iniciar formalmente o processo de substituição, é provável que João Ferreira brilhe porque (tal como Carvalhas) percorreu o ciclo eleitoral entre Lisboa, o Parlamento Europeu e as presidenciais. O percurso sólido, a idade e a boa imprensa justificarão os apelos à renovação: e os apelos à continuidade podem ser mobilizados na exacta medida contrária em torno da figura de Francisco Lopes (um secretário-geral informal de enorme peso político, estamos de acordo?).

Será este tique-taque que ouviremos nas vésperas de 2023 se a música já estiver composta, mas se alguém alterar uns segundos nos intervalos do compasso, sim, alguma coisa pode então mudar. Saberemos isso na eleição da comissão política do novo comité central: no dia seguinte valerá a pena procurar o nome de Vasco Cardoso.

É um jovem quadro com percurso na organização estudantil na Covilhã, e que o PCP enviou em missão Lazarus para o organização do Algarve em 2012 para ensaiar uma recuperação dos sucessivos desastres que datam do afastamento de Carlos Brito e de Carlos Luís Figueira. Vasco Cardoso recuperou o deputado perdido desde 1987 e ajudou à conquista da Câmara de Silves. Talvez por isso ninguém tenha estranhado quando o chamaram para estas negociações com os socialistas no Orçamento.

Continua a ser mais aquilo que desconhecemos do que conhecemos no PCP, mas na certeza de que “a perspectiva histórica de um partido afere-se pelo que fez, pelo que faz e pelo que mostra estar em condições de fazer” (Álvaro Cunhal, O Partido Com Paredes de Vidro, 2002).

Quando fica preso no presente (que é tempo passado para todos os outros), Cooper já só tem uma alternativa: mergulhar na rotação do buraco negro para se salvar, mas salvar-se ao longo daqueles breves minutos custar-lhe-á mais 68 anos. É isso que Einstein ensina: o tempo estica e encolhe, mas voltar atrás, isso é que já não.

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