Segunda volta das municipais no Brasil deve confirmar rejeição dos “bolsonaristas”

No Rio de Janeiro, o bispo evangélico Marcelo Crivella não deverá conseguir ser reeleito. PT olha para Recife para tentar mitigar o fracasso.

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Marcelo Crivella dificilmente será reeleito "prefeito" do Rio de Janeiro Ueslei Marcelino / Reuters

Entre as cidades mais importantes que vão decidir no domingo os seus “prefeitos”, apenas o Rio de Janeiro parece ter um desfecho anunciado com a derrota do actual autarca, o bispo evangélico ultraconservador, Marcelo Crivella, e a eleição de Eduardo Paes, que já tinha estado no cargo.

Nos dias que antecederam a segunda volta, as sondagens indicavam a manutenção da vantagem sólida de Paes, superior a vinte pontos percentuais, dando pouca margem para dúvidas. Talvez por isso, a campanha carioca tenha sido uma das mais violentas nesta segunda volta.

O apoio de alguns partidos de esquerda a Paes – um mal menor comparado com o bispo evangélico – levou a campanha de Crivella a difundir mensagens que ligavam o candidato a bandeiras que não defende, como a legalização das drogas leves.

“Eduardo Paes e seus amigos defendem legalização do aborto, liberação das drogas, kits gay nas escolas”, lia-se num panfleto distribuído à porta de uma igreja evangélica, de acordo com a Folha de São Paulo.

O politólogo Sérgio Abranches vê Crivella “muito desesperado”. “O Crivella está a fazer uma campanha muito suja, que está afastando o eleitor”, diz o analista ao PÚBLICO, a partir do Rio de Janeiro. A provável derrota de Crivella também representa uma derrota para o Presidente Jair Bolsonaro, que fica sem um aliado local no seu feudo eleitoral.

Uma campanha surpreendentemente dura aconteceu também em Recife, capital de Pernambuco, disputada ao milímetro por dois primos: Marília Arraes, do Partido dos Trabalhadores (PT), e João Campos, do Partido Socialista Brasileiro. Num debate, Arraes chegou a chamar “frouxo” ao seu adversário, que a colou aos casos de corrupção no PT. A tensão entre os dois está a “escandalizar a sociedade local”, diz Abranches.

Para o PT, Recife representa a única possibilidade para o partido poder conquistar uma capital estadual importante nestas eleições, depois de um primeiro turno muito fraco. “Recife é importante, mas o facto é que o PT se deu muito mal noutros estados do Nordeste onde sempre foi forte”, observa o politólogo.

Em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, testa-se uma rara solução de compromisso entre as forças de esquerda. Manuela D’Ávila, do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), tem o apoio de vários partidos daquela família política, incluindo o PT, que prescindiu de ter candidato próprio, e procura derrotar Sebastião Melo, do Movimento Democrático Brasileiro, a quem as sondagens atribuem uma ligeira vantagem.

Todos contra Bolsonaro

A primeira volta foi interpretada como uma derrota dos candidatos apoiados por Bolsonaro e em Fortaleza, capital do Ceará, esse é o assunto que dominou a campanha. Em desvantagem nas sondagens, o candidato Capitão Wagner tem tentado retirar o rótulo de “bolsonarista” a todo o custo, que considera responsável pela derrota iminente. Numa entrevista, Wagner agradeceu o apoio dado pelo Presidente, mas sublinhou não ter “padrinho político”.

A conotação entre Wagner e Bolsonaro reuniu uma coligação muito ampla de partidos aparentemente inconciliáveis, não fosse a oposição ao Presidente. O candidato do Partido Democrático Trabalhista (PDT), José Sarto, chega à segunda volta com o apoio de partidos como o PT ou o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e até o Partido Social Liberal (PSL), pelo qual Bolsonaro foi eleito, mas que abandonou.

A situação em Fortaleza reflecte a forte rejeição de Bolsonaro nas maiores cidades brasileiras, que o tornam num “apoio tóxico” a qualquer candidato que pretenda chegar a “prefeito”, diz Abranches. A campanha das municipais parece ter apenas agravado esse panorama. Um levantamento do jornal O Globo, a partir de inquéritos do Ibope, mostra que a aprovação do Presidente caiu em 23 das 26 capitais estaduais entre Outubro e Novembro.

O politólogo acredita que a pandemia foi um elemento fundamental na orientação das escolhas dos brasileiros para os seus municípios. “Bloqueou a possibilidade de reeleição dos ‘prefeitos’ que se saíram mal e que acompanharam Bolsonaro na ideia de que a economia devia ter preferência sobre a pandemia”, afirma Abranches.

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