São Paulo: a maior cidade brasileira pode oferecer a maior surpresa dos últimos anos

Guilherme Boulos tem diminuído a distância face a Bruno Covas, que mantém uma ligeira vantagem em São Paulo. Aconteça o que acontecer, as municipais já forjaram um líder da esquerda.

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Guilherme Boulos durante uma acção de campanha em São Paulo Amanda Perobelli

A disputa na maior cidade brasileira promete ser uma das mais entusiasmantes da segunda volta das eleições municipais de domingo. O candidato do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Guilherme Boulos, tem conseguido reduzir a desvantagem face ao actual “prefeito”, Bruno Covas, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), e pode protagonizar uma surpresa.

As sondagens continuam a dar vantagem a Covas, mas com pouca vantagem sobre Boulos, que passou a campanha da segunda volta a diminuir a distância para o “prefeito” que procura a reeleição. Com as eleições marcadas pela avaliação do eleitorado à gestão feita pelos autarcas da pandemia da covid-19 nas suas cidades, a evolução crescente das infecções nas últimas semanas pode penalizar Covas.

Depois de uma desaceleração, a taxa de contágios voltou a subir em São Paulo, e vários hospitais apresentam uma ocupação intensa de camas nas unidades de cuidados intensivos. No entanto, em público, Covas tem tentado minimizar a situação. “Não há nenhum indício de segunda onda na cidade”, afirmou o “prefeito” a poucos dias das eleições.

A proximidade entre os dois candidatos trouxe alguma agressividade à campanha, mas o tom geral tem sido cordato, tendo em conta outras disputas no resto do país. “O discurso violento e o vazio de conteúdo está a começar a mostrar que não vale mais”, nota o politólogo Sérgio Abranches, em entrevista ao PÚBLICO.

A campanha de Boulos tem concentrado as atenções no candidato a vice de Covas, Ricardo Nunes, que foi acusado de violência doméstica pela mulher, em 2011. O caso não teve continuidade. Já a campanha do PSDB ataca o perfil de Boulos, filho de uma médica e de um professor universitário. Um assessor de Covas acusou Boulos de ser “filho de pai rico, que viveu de mesada a vida inteira, foi para a periferia, mas nunca foi da periferia”.

O analista, autor do livro O Tempo dos Governantes Incidentais, considera que Boulos está a fazer uma “campanha muito inteligente nas redes sociais”, perante as imposições sanitárias que impedem grandes acções nas ruas. Depois de ter congregado o voto dos eleitores de esquerda, órfãos do Partido dos Trabalhadores (PT), cujo candidato não foi além dos 8% na primeira volta, Boulos tem tentado atrair o eleitorado centrista.

Nos últimos dias, o candidato, que é dirigente do Movimento dos Trabalhadores Sem Tecto, tem mantido reuniões discretas com empresários e investidores. “O Boulos está a enviar sinais ao mercado financeiro para o acalmar, dizendo que vai usar investimento privado”, explica Abranches, que considera estar a ser bem-sucedido. “O que as últimas pesquisas têm mostrado é que o Boulos está a tirar preferência eleitoral do Covas”, acrescenta.

Por trás do sucesso de Boulos, Abranches nomeia a postura conciliatória do candidato que diz ir ao encontro da disposição do eleitorado, cansado de anos de polarização política acirrada. “O Boulos, mais do que o PT, aprendeu que o caminho político hoje no Brasil é pelo centro-esquerda, mais moderado”.

Uma vitória do candidato do PSOL na maior cidade brasileira seria um facto histórico, mas está longe de estar garantida. Porém, parece ser certo que a disputa será taco-a-taco, o que já faz de Boulos uma figura incontornável da esquerda brasileira.

“Ele já é um fenómeno eleitoral e qualifica-se como uma liderança política alternativa pela esquerda, num momento de desgaste muito forte do PT e de outros partidos de esquerda”, diz Abranches, que perspectiva Boulos como um “candidato competitivo” ao cargo de governador de São Paulo, daqui a dois anos.

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