Abrir portas onde se erguem muros

Manuel Pinheiro, presidente da Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes, escreve em resposta a um artigo de Pedro Garcias.

Já me fui habituando às diatribes quinzenais que Pedro Garcias me dirige sem as valorizar excessivamente. Porém, desta vez, a sua sofreguidão chega ao ponto de citar uma parte de um artigo que publiquei neste jornal, a 23 de Outubro, omitindo intencionalmente o restante conteúdo, para alterar o sentido do texto. Acusa-me de ter citado números do INE que comprovam o aumento em 6% das exportações de Vinho Verde em 2020 mas omite o período exactamente anterior em que escrevi “A chave para se perceber o efeito disruptivo da covid-19 no mercado de vinhos é a disparidade. Lado a lado, temos empresas e regiões que aumentaram as vendas e outras que viram o chão desaparecer.”

É evidente que 2020 é um ano dificílimo, particularmente no mercado nacional, sendo desnecessário o cuidado que o autor teve em ir descobrir números da Nielsen que diziam respeito apenas ao primeiro semestre e que não incluem, pois, o Verão que, felizmente, trouxe uma significativa recuperação de vendas.

Pedro Garcias acusa-me de não ter da agricultura a visão de choradinho permanente que ele tem, a visão dos pequeninos desgraçados contra os grandes poderosos, os eternos complexos de inferioridade. Tem toda a razão: nestas ideias, não conte comigo. Acorde, Pedro Garcias, o público não quer saber de um sector agrícola que passa a vida queixar-se que é vítima de tudo e, muito menos, de ler semanalmente as tricas de produtores que se entretêm a dizer mal uns dos outros. Leia os seus colegas da gastronomia, do turismo, aqui mesmo na Fugas, e verá que oferecem aos leitores textos construtivos que abrem horizontes, ao invés de se afunilarem em rancores pessoais.

Nos incontáveis textos que me dedica, o ponto central parece ser que se irrita por eu divulgar estatísticas. Elas aqui ficam. Em duas décadas, a Região dos Vinhos Verdes passou as exportações de 15% para mais de 50%; reconverteu 7000 hectares de vinha; as uvas de Vinho Verde estão, ano após ano, entre as mais bem pagas do país ao produtor; uma região que vendia vinho barato em garrafão e que hoje se afirma com vinhos fabulosos que são apreciados nos mais de 100 países onde chegamos.

O mérito é, em primeiro lugar, dos nossos clientes. Em segundo, é dos produtores que acreditaram e trabalharam de forma admirável. Mas é cego negar que há aqui mérito da Comissão dos Vinhos Verdes, dos seus técnicos e gestores. É a única região do país que tem um seguro colectivo de colheitas desde há vinte anos, a única que identificou a formação como estratégica e criou uma entidade formadora, a Academia do Vinho Verde, reconhecida pela DGERT e pela qual passam mais de mil profissionais do sector por ano. Um sistema de certificação que foi felicitado pela Direcção-Geral de Saúde da UE quando auditou Portugal; uma região que desenvolveu um sistema informático premiado pela Microsoft e que permite que a esmagadora maioria dos produtores trate dos seus processos 100% a partir de casa; uma região que executa um plano de promoção em todo o mundo e que se prepara para dar um passo de gigante com o lançamento de um novo segmento para os Vinhos Verdes de maior valor. Uma região em que o custo da taxa de certificação cobrada ao produtor não é aumentado desde 2009 e é bem mais baixo do que o que o Pedro paga no seu Douro, onde não tem a contrapartida de nada disto que lhe citei acima.

Fiel ao princípio de que não se pode deixar que os factos estraguem uma bela narrativa, Pedro Garcias nunca nos contacta para obter dados objectivos ou esclarecimentos. Sai tudo do espaço infindável da sua criatividade e revolta pessoal. Aqui ficam, pois, para benefício dos leitores, os dados de vendas de Vinho Verde, de Janeiro a Outubro de 2020: branco, 51 milhões de litros, sem alteração face a 2019; tinto, 2,8 milhões de litros, perda de 1% face a 2019; rosado 6,4 milhões de litros, aumento de 34% face a 2019. No total, até Outubro, comercializámos 60,9 milhões de litros, um aumento de 3% face a igual período de 2019.

Achando-se o Dom Quixote da luta contra os poderosos (e no Vinho Verde sabemos bem quem é o seu Sancho Pança) lá vem Garcias, semana após semana, com mais uma declaração de amor à sua Dulcineia – um sector do vinho imaginário  , misturando realidade e imaginação como nenhum outro que tenha o brio de se dizer jornalista. 

Sou leitor do PÚBLICO desde sempre. Conservo na minha colecção a primeira edição de teste que nunca foi vendida. Este direito de resposta é exercido, precisamente, para aqueles que, como eu, são leitores e querem confiar na objectividade do que se encontra nestas páginas. Quanto a Pedro Garcias, recordo um provérbio dos índios navajos nos Estados Unidos: “É impossível acordar um homem que finge que está a dormir.”

Presidente da Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes

Nota da Direcção:

No artigo em causa, o jornalista Pedro Garcia citou e inseriu o link para o artigo “O vinho português em ano covid: e se aproveitássemos para mudar?” de Manuel Pinheiro, tendo apresentado os números que, na altura, estavam disponíveis no IVV e na Viniportugal e que confirmavam uma queda dos Vinhos Verdes no mercado interno, que, no seu entender, fora ignorada no referido artigo.

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