Governo garante que não haverá “limitação de idade” na vacinação anticovid-19

António Costa assegurou que há critérios técnicos que os responsáveis políticos nunca poderão aceitar.

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Nuno Ferreira Santos

“Hoje não foi um dia bom para este assunto”. Tiago Correia, especialista em Saúde Pública, resumiu assim, em poucas palavras uma manhã marcada por notícias e comentários sobre alguns critérios a aplicar na vacinação anticovid-19 em Portugal. Foi na SIC-Notícias, e ainda o dia ia a meio, mas já o primeiro-ministro, o secretário de Estado da Saúde, o CDS e Rui Rio tinham falado sobre o assunto. Marcelo Rebelo de Sousa falou pouco depois.

Numa declaração que parecia atingir directamente a Direcção-Geral da Saúde — à qual estão ligados os especialistas que elaboraram a proposta preliminar que levantava a hipótese de todos os maiores de 75 anos sem doenças graves não terem acesso prioritário às vacinas contra a covid-19 — António Costa foi taxativo: “Há critérios técnicos que nunca poderão ser aceites pelos responsáveis políticos”.

Não é admissível desistir de proteger a vida em função da idade. As vidas não têm prazo de validade”, escreveu António Costa no Twitter. O primeiro-ministro não terá pretendido atingir a cúpula da DGS já em tempos disse que no meio das batalhas não se mudam generais , mas a verdade é que o Governo se concentrou em desconstruir o plano preliminar dos especialistas ao longo do dia. E até o Presidente da República comentou o assunto, no mesmo tom. 

Marcelo Rebelo de Sousa considerou que a ideia veiculada na imprensa é “uma ideia tonta” e acrescentou que ainda não há plano nenhum definido. “Antes de ser aprovado, tem de ser submetido ao Governo” e, depois, “o primeiro-ministro dará conhecimento ao Presidente da República”.

"Não há decisão nenhuma, muito menos há uma decisão que seja uma decisão tonta", acrescentou o Presidente da República à entrada para um almoço com empresários da restauração, em Évora. “Aquilo que tenho visto especular, nalguns aspectos, é, no fundo, dizer que há fatias do povo português pela sua idade que não têm acesso urgente ou prioritário à vacina, como tenho visto formulado, é uma ideia tonta”, concluiu.

Constantino Sakellarides, que já foi director-geral da Saúde, entende ser "legítimo que um político, seja primeiro-ministro ou Presidente da República, exprima opiniões que acrescentem aspectos éticos e políticos aos técnicos”, mas defende que “aquela informação que estava na comunicação social não era definitiva”. Ainda assim, o professor catedrático jubilado da Escola Nacional de Saúde Pública acrescenta, em declarações ao PÚBLICO, que “o sistema imunitário das pessoas não tem a mesma capacidade de resposta nos diferentes ciclos de vida”. E diz que isso é verdade para cada vacina. “A eficácia da vacina da gripe é menor aos 75 do que é aos 50”, lembra. 

Para Sakellarides "não há nenhum choque” entre o Governo e a Direcção-Geral da Saúde até porque “ainda não existe uma proposta formalizada”. O especialista em saúde pública acredita que as reacções políticas surgiram para antecipar a reacção pública, mas ressalva que isso não significa que a relação de Graça Freitas e António Costa esteja mais fragilizada. “O poder político não pode criticar um grupo de trabalho que não acabou o trabalho”, simplifica. “Eu sei que em política tudo o que parece é, mas formalmente não há nenhuma proposta”, insiste. 

"É preciso mais cautela"

O especialista em saúde pública alerta que é preciso “mais cautela” na informação que é dada sobre a evolução dos tratamentos para responder à pandemia, uma vez que “o ruído gerado” pode aumentar os receios da população em relação à sua eficácia. “Quando uma farmacêutica faz um anúncio de uma vacina e no dia seguinte é notícia que as acções dessa empresa dispararam drasticamente, há um aumento da suspeita de que é tudo uma conspiração para ganhar dinheiro e geram-se dúvidas sobre a eficácia da vacina, o que leva a que as pessoas não estejam disponíveis para se vacinarem”, sublinha.

O ex-director-geral da Saúde alerta também para o cuidado que é imperativo ter na logística da distribuição das vacinas. “Isso exige uma comunicação de grande qualidade, que não temos tido. Precisamos de um uprade na forma em que a comunicação tem sido feita. Não precisamos de polarizações para nada.”

Apesar de destacar a importância da vacina para garantir que a imunidade de grupo é atingida mais rapidamente (e que os efeitos da covid-19 nos doentes são mitigados), Sakellarides lembra também que “a vacina é só uma parte do jogo”. “Temos de continuar focados em investir no SNS e em conter a propagação”, apela.

Idade não será limite

Também o secretário de Estado da Saúde, António Lacerda Sales, reagiu às notícias sobre a proposta preliminar da comissão de especialistas nomeada pela DGS, garantindo que a idade não será um limite à vacinação. “É uma proposta que inclui todos os idosos dos lares e estruturas residenciais sem limite de idades, incluiu os profissionais dos lares, profissionais de saúde, forças da autoridade. É uma proposta que ainda não foi analisada pelo Ministério da Saúde. A seu tempo, com moderação e serenidade, analisaremos. Mas as faixas mais vulneráveis sempre foram uma prioridade, especialmente os idosos. A idade não será um limite à vacinação. Para este Governo, não há nenhuma limitação da idade”, sublinhou.

Sem entrar em polémicas, Rui Rio comentou o assunto apenas para dizer que dá o benefício da dúvida a António Costa e que tem informações que confirmam que a proposta da DGS “não corresponde ao plano de vacinação que o Governo quer implementar”.

O CDS foi o primeiro partido a reagir e, logo pela manhã, requereu uma audição parlamentar, com carácter de urgência, do ex-secretário de Estado da Saúde, Francisco Ramos, que é o responsável pela task force que vai delinear o plano de vacinação contra a covid-19 em Portugal.

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