Crescimento espontâneo pode constituir nova oportunidade para as florestas europeias

Um artigo científico publicado na People and Nature levanta a possibilidade de o crescimento florestal espontâneo resultante do abandono das paisagens rurais contribuir para “restaurar o funcionamento dos ecossistemas” e “alcançar objectivos de política ambiental”. Em simultâneo, alerta para os perigos que o crescimento descontrolado pode representar.

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Adriano Miranda

Após décadas de registos negativos no que concerne à ocupação das áreas florestais, uma nova esperança parece surgir para o continente europeu – especialmente nos países do Sul. De acordo com um estudo científico conduzido por investigadores do Museu Nacional de Ciências Naturais de Madrid, do Instituto Europeu de Florestas e da Universidade de Bordéus (entre outras entidades), publicado na revista People and Nature, o crescimento espontâneo da floresta poderá constituir uma nova oportunidade “economicamente rentável para restaurar o funcionamento dos ecossistemas, aumentar as contribuições” destes territórios “para as pessoas” e “alcançar objectivos de política ambiental”. Fenómenos demográficos recentes, como o “abandono generalizado das paisagens rurais e a migração para centros urbanos”, serviram de premissa para a investigação, já que, na visão dos autores, estes contribuíram para a retoma da vegetação florestal nas terras agrícolas.

Para os investigadores, a dinâmica de crescimento espontâneo implica dois processos: a expansão florestal – o aumento da superfície de novas florestas em antigas áreas agrícolas – e a densificação florestal após a fixação inicial da floresta. Como tal, foram seleccionados quatro agrupamentos do Sudoeste Europeu (dois em zonas rurais e dois um zonas periurbanas), compostos por 65 parcelas de estudo e 2837 árvores, os quais reflectem “diferentes contextos socioeconómicos, requisitos ambientais e adaptações”. Um dos critérios que vigorou na selecção dos povoamentos foi, para além de um crescimento florestal espontâneo, a predominância da espécie arbórea que é a árvore nativa mais abundante na paisagem circundante.

No primeiro grupo, as paisagens utilizadas localizam-se no Parque Nacional do Alto Tejo (com o zimbro como espécie maioritária), mais precisamente no município extremenho de Guadalajara, e numa zona montanhosa dos pré-Pirenéus catalães (onde predomina a faia). Os dois territórios espanhóis registaram “um êxodo populacional maciço desde os anos 50 e actualmente são escassamente povoados, economicamente marginais e com poucas perspectivas de desenvolvimento socioeconómico”. No que respeita às zonas periurbanas, estas localizam-se na planície de Vallés (com predominância de azinheira), arredores da área metropolitana de Barcelona, e na província de Gironde, no Sudoeste de França (onde predomina o carvalho-roble). “Uma vigorosa actividade económica” caracteriza ambas as regiões, assim como políticas de “gestão intensiva da paisagem para diversos fins”.

A selecção das espécies em causa reveste-se de especial importância por constituírem exemplares arbóreos com expressão noutros países europeus – o que permitirá transpor as conclusões obtidas para outros territórios. De facto, esta é uma ressalva feita pela investigação, a qual sublinha que a faia e o carvalho-roble estão “amplamente distribuídos nas florestas euro-ibéricas”, enquanto a azinheira e o zimbro “são membros emblemáticos da bacia mediterrânea”. Na perseguição do objectivo de calcular o crescimento e desenvolvimento das espécies arbóreas (e estudar as consequências do processo), os investigadores compararam os “povoamentos florestais há muito existentes com outros mais recentes”. Paralelamente, foi quantificada a “densidade florestal em cada parcela de estudo através do cálculo da área basal (área transversal das árvores na altura do peito) por hectare”.

Contribuições da natureza para as pessoas

Para avaliar as oportunidades decorrentes do crescimento espontâneo das florestas no Sudoeste europeu, os autores serviram-se de uma classificação criada pela Plataforma Intergovernamental de Política Científica sobre a Biodiversidade e Serviços Ecossistémicos, as intituladas “contribuições da natureza para as pessoas”. Este quadro consagra três tipos de contribuição possíveis: materiais (que sustentam directamente a existência física das pessoas), não-materiais (que afectam os aspectos subjectivos ou psicológicos que sustentam a qualidade de vida das pessoas) e reguladores (que modificam o ambiente e afectam o fornecimento de contribuições materiais e não-materiais).

As observações feitas do decorrer da investigação encontraram contribuições adjacentes ao processo de crescimento pertencentes aos três campos. Nas reguladoras, destacam-se a criação e manutenção de habitat, a polinização e dispersão de sementes e outros propágulos, a normalização do clima através do sequestro e armazenamento de carbono biológico, e a regulação de organismos prejudiciais e processos biológicos. No grupo das contribuições materiais, incluem-se a energia, assim como os recursos medicinais, bioquímicos e genéticos. Finalmente, dos ganhos não-materiais – e dificilmente mensuráveis – fazem parte a aprendizagem e inspiração, a experiência física e psicológica, e as identidades de apoio.

Apesar de as circunstâncias descritas parecerem favoráveis ao momento actual – marcado por uma crescente consciencialização para os problemas ambientais –, este artigo científico também alerta para os perigos que um crescimento espontâneo, e descontrolado, das espécies florestais pode representar. Fenómenos como incêndios florestais de grande dimensão ou a expansão de espécies exóticas são recorrentemente associados à densificação dos povoamentos. Como tal, os autores sugerem que à evolução do crescimento espontâneo de florestas em terrenos anteriormente utilizados pela agricultura seja aplicada “uma abordagem orientada para o processo”. Tal política deve implicar “uma análise cuidadosa que combine as investigações ecológicas e socioeconómicas para desvendar o equilíbrio que as novas florestas proporcionam à sociedade, incluindo as percepções deste processo pelas partes interessadas e populações locais”.

“Um motivo de esperança” também para a floresta autóctone portuguesa

Em declarações ao PÚBLICO, numa entrevista a propósito do Dia da Floresta Autóctone, Paulo Farinha Marques, docente da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto e director do doutoramento em arquitectura paisagista e ecologia urbana, já abordara este fenómeno, o qual caracterizou como “um motivo de esperança”. “O abandono do interior e concentração de pessoas no litoral permite que certas zonas retomem um certo vigor espontâneo e natural”, referiu. Servindo-se do exemplo das “terras de cereal pobre” que deixaram de ser agricultadas e onde o “carvalhal retomou”, sugere que “um processo de renaturalização da paisagem pode ser interessante para compensar o grave problema de desertificação humana do interior”. Com a ressalva de que, no processo, devem ser consideradas as “partes boas e más”, o ex-director do Jardim Botânico do Porto reafirma que os exemplos registados de regeneração espontânea da floresta autóctone em Portugal são “promissores”.

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