Consumidores mais responsáveis são “grande oportunidade” para indústria têxtil portuguesa

O simpósio anual da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal realiza-se nesta quinta-feira para o balanço de um sector “todo ele impactado” pela pandemia, avalia presidente.

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Exportação de máscaras portuguesas já rendeu perto de 200 milhões de euros Nelson Garrido

À medida que se aproxima o final de 2020, começa-se a fazer o balanço do que foi um ano “difícil” para quem faz dos tecidos vida em Portugal. É o que conta Mário Jorge Machado, o presidente da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP) no dia do simpósio anual da associação, que este ano se realiza online, nesta quinta-feira, por causa da pandemia. Como é que está o sector? “Todo ele impactado. Algumas partes mais, outras menos”, revela.

O presidente da associação explica que é difícil fazer generalizações e colocar números no rombo que terá levado uma indústria que “tem na sua fileira muitos subsectores”, desde a produção de roupa desportiva até tecidos para a indústria automóvel. Ainda assim, “em termos genéricos”, a indústria têxtil em Portugal “deve terminar o ano com uma quebra acumulada nas exportações algures entre os 15% e os 20%”, um intervalo que “vai depender de quão mau for o último trimestre”.

Para por as coisas em contexto, segundo o responsável pela associação, dos sete mil milhões de euros que movimenta anualmente a indústria em Portugal, cerca de 5,5 mil milhões estão ligados à exportação. Havia esperança que em Outubro a “situação começasse a melhorar”, diz Mário Jorge Machado, mas a segunda vaga da pandemia e as subsequentes restrições por toda a Europa vieram “prejudicar muito a possível recuperação”.

O presidente da ATP esclarece que vários subsectores viram, este ano, diferentes realidades. Os que sofreram menos foram os segmentos “mais relacionados com os produtos para estar em casa”, quer de vestuário, quer do lar, que terão crescido até 20%. A justificação não é difícil de compreender: “Passamos mais tempo em casa, por isso investimos mais nessa parte.” Já o vestuário de exterior, que representa a maior fatia da produção portuguesa e é “o segmento mais importante do sector”, foi “fortemente impactado”, com perdas registadas até 40%.

Em resumo, Mário Jorge Machado faz as contas e os resultados não são bons: “Se eu crescer 20% num segmento que representava 20% do meu negócio, dá-me um acréscimo geral de 4%. Se eu cair 40% naquilo que era 80% do meu negócio, é uma quebra geral de 32%. Somando-se tudo, os números ficam muito maus em termos de resultado global.”

Máscaras “ajudaram”, mas não são “solução”

A produção de máscaras e material de protecção, ainda que tenha sido “uma boa resposta” por parte da indústria portuguesa e que a “ajudou bastante”, “não é uma solução para um sector que emprega 140 mil pessoas em Portugal”, aponta o presidente da ATP. No pico da produção desses produtos chegaram a estar envolvidas perto de 15 mil pessoas e Mário Jorge Machado sublinha que “foi muito melhor essas pessoas estarem a produzir e a exportar em vez de estarem em lay-off a consumir recursos de impostos”. Segundo o presidente, as exportações de máscaras ao longo do ano “já renderam perto de 200 milhões de euros”, mas anseia por uma vacina que permita “voltar a andar na rua de cara destapada”, até porque o contrário “nem seria um cenário agradável de pensar”.

Mas também lembra que no período inicial da pandemia, “durante semanas, grande parte dos produtos feitos em Portugal foram oferecidos”. E critica: “É claro que nós não podemos estar a oferecer produto e depois chegar produto chinês comprado.” Por isso, o presidente da associação considera que “deveria ser imposto que, pelo menos, uma parte do que é compra pública de material hospitalar fosse produzida na Europa” de forma a “garantir a produção estratégica desse tipo de produtos”

Porque, continua: “Não podemos ser ingénuos e temos de perceber que países como a China, em que o Estado é dono de grande parte das empresas, usam sistematicamente posicionamentos de pricing em que colocam produtos no mercado a preços que eliminam a concorrência porque sabem que depois conseguem recuperar o que perderam.” Em jeito de metáfora, simplifica: “Se eu vou para um jogo com determinadas regras e o meu parceiro tem outras melhores do que as minhas, é muito difícil eu ganhar.”

A questão da regulamentação não se fica pelas políticas de preço. Dever-se-ia aplicar também às práticas de sustentabilidade ambiental e social, vinca Mário Jorge Machado, e afirma que tem sido feita pressão junto da Comissão Europeia para que haja “um nivelamento muito maior em termos das exigências” que são feitas aos produtores europeus e asiáticos. “Chegamos ao caricato de produtos que importamos da China, se os quiséssemos devolver, a China não os aceitaria porque não cumprem as especificações deles de entrada no país”, relata.

Online deve continuar a ser aposta 

O crescimento das vendas online tem sido uma tendência ao longo dos anos, mas a pandemia serviu de catalisador, o que se reflectiu na indústria portuguesa, com marcas a reportarem crescimentos entre 15% e 30%, mais nos produtos de estar por casa e não no vestuário formal. Essa forma de comprar traz, porém, “alguns desafios na produção e abastecimento das empresas”, aponta o responsável pela ATP. “Hoje em dia um consumidor que compra online quer ver coisas novas frequentemente, por isso a renovação de produtos nos sites tem de ser mais rápida”, isso faz com que “as séries de produção sejam mais curtas” e as marcas tenham de as reduzir para “poderem manter essa variedade”.

Ainda que possa ser uma dificuldade para a indústria, admite Mário Jorge Machado, “é também uma oportunidade para as empresas portuguesas” porque essa “variedade” é algo a que as empresas já estão adaptadas. “Essa foi uma das formas que se usou para concorrer com a Ásia. Há vários anos que as empresas portuguesas perceberam que foi com o design, com a criação e com a inovação que se diferenciaram do preço que havia no resto do mundo”, sublinha.

Sustentabilidade é trunfo português

“Portugal tem das melhores práticas de sustentabilidade produtiva a nível mundial”, declara o dirigente. Por isso, o facto de haver “cada vez mais consumidores para quem a sustentabilidade ambiental e social são muito importantes na hora de comprar”, é uma “grande oportunidade” para a indústria portuguesa. Ainda que os mais preocupados sejam os consumidores jovens, já é “uma percentagem significativa” e cuja tendência é para crescer nos próximos anos, considera. 

Por isso, é “preciso que as empresas acompanhem essa tendência” e “grande parte delas já o faz”. Entre os exemplos das práticas sustentáveis que se aplicam em Portugal está o consumo de energia sustentável, a incorporação de matérias-primas orgânicas e recicladas e já há “cada vez mais exemplos” transformação de novo em fios de peças em segunda mão que de outra forma iriam para o lixo.

Agora, uma das peças importantes do puzzle é “fazer com que os consumidores percebam com facilidade ao comprar uma peça de que forma é que esta foi produzida”, revela Mário Jorge Machado. Para isso, estão a ser criados e testados códigos QR que os clientes podem usar, através dos smartphones, para descobrir a história do fabrico dessa peça.

O presidente da associação têxtil espera que as boas práticas portuguesas sirvam de “farol” e de “modelo” além-fronteiras. “É importante que nós, na Europa, estejamos a produzir de uma forma que protege o planeta, mas também é importante que na China, no Vietname ou no Bangladeche essas boas práticas sejam replicadas”, sublinha. “Não podemos ter uma Europa limpa e um planeta sujo”, conclui.

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