“Bomba atómica” no Novo Banco: e agora?

A “bomba atómica”, como classificou o PS, surgiu perto da meia-noite e deixa o Governo e o Fundo de Resolução em falta com o Lone Star. A solução poderá passar por uma negociação para evitar uma escalada de tensão jurídica que resulte numa ruptura de consequências imprevisíveis

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Daniel Rocha

O movimento anual de injecções de dinheiro do Fundo de Resolução, com cobertura do Estado, foi abrandando ao longo da pandemia e travou a fundo nos últimos minutos das negociações em torno do Orçamento do Estado para 2021.

Num ambiente de dramatização política, o Governo e o Banco de Portugal, através do Fundo de Resolução, ficam com poucas soluções para evitar uma guerra jurídica com o fundo norte-americano Lone Star.

Qual a exposição do OE 2021 ao Novo Banco antes deste chumbo?
O OE 2021 foi o primeiro, desde a venda do Novo Banco ao Lone Star em 2017, que deixou de ter um empréstimo directo do Tesouro ao Fundo de Resolução para injectar dinheiro na instituição, a fim manter a sua solidez acima das exigências das autoridades europeias. Uma condição que estava no acordo de venda ao fundo norte-americano, traduzida numa almofada total de 3,9 mil milhões.

O Bloco de Esquerda foi condicionando a sua aprovação ao OE à retirada de qualquer apoio no âmbito deste acordo. Depois de ter conseguido que o empréstimo não fosse directo do Estado, o efeito das injecções do Fundo de Resolução, mesmo através de uma solução privada – que estava calculada em 476 milhões de euros – permanecia no OE por reflexo no défice (dado que o Fundo está no perímetro da administração pública). E foi essa exposição ao Novo Banco – que o Governo estava a negociar com a banca privada para concretizar em Maio do próximo ano, referente aos resultados do banco em 2020 – que o Parlamento chumbou esta quarta-feira à noite.

Qual o efeito do chumbo de novas injecções no Novo Banco através do OE 2021?
O primeiro efeito é que o Novo Banco não pode contar com qualquer transferência do Fundo de Resolução para equilibrar as suas contas, depois de já o ter feito num total de três mil milhões de euros desde 2018 (dos quais 2,1 mil milhões emprestados pelo Tesouro e os restantes através das contribuições dos outros bancos, tudo com efeito no défice). António Ramalho já tinha sinalizado que precisaria pelo de menos de 170 milhões de euros este ano, com os dados do primeiro semestre do ano, já afectados pela pandemia.

A consequência de não ter esse dinheiro – que podia chegar aos 476 milhões para a totalidade do ano de acordo com o inscrito no OE – é que os rácios de solidez ficarão abaixo da meta de 12% exigida pelas autoridades.

O que acontece, se o Novo Banco falhar as metas de solidez?
No contrato de venda ao Lone Star – que não foi tornado público – prevê-se, de acordo com a informação que tem sido dada pelo Novo Banco, que, se a instituição não cumprir as metas definidas no acordo validado pelo Banco Central Europeu e Comissão Europeia, as consequências poderão representar um programa exigente de metas que podem passar pela redução significativa da operação do banco.

Na prática, o banco poderá ter de agravar o processo de rescisões com os trabalhadores – que já está em curso – ou de encerramento de balcões, para além do cumprimento de outras metas financeiras mais exigentes. No entanto, na sequência do impacto severo que a pandemia de covid-19 está a ter na actividade económica e na dos bancos, o BCE suspendeu provisoriamente a exigência das metas de solidez em 2020, uma situação que também abrange o Novo Banco. Porém, desconhece-se de que forma é que esta determinação poderá abranger os compromissos assumidos no contrato de venda do Novo Banco.

O que pode o Governo fazer agora?
Sem a ferramenta do OE para cumprir o contrato com o Lone Star, o Governo deixa de poder injectar dinheiro no Novo Banco através do Fundo de Resolução, mesmo com uma solução privada de um empréstimo através dos outros bancos do sistema, que estava a ser negociada nas últimas semanas pelas Finanças. Ficará, portanto, dependente de uma eventual negociação com o Lone Star para uma via de capitalização fora do acordo fechado em 2017.

Essa capitalização poderá acontecer através da participação directa do Lone Star (mediante um aumento de capital, por exemplo, que possa até reduzir a posição de 25% do Fundo de Resolução) ou através do recurso a uma terceira entidade privada que possa assegurar essa injecção.

Neste último cenário, estaria em causa a compra de uma fatia ou da totalidade do capital por um outro banco, retirando o Fundo de Resolução ou mesmo o Lone Star do capital do Novo Banco, por um valor que, no limite, poria um ponto final ao acordo de venda definido em Outubro de 2017. Um cenário de difícil execução no actual cenário de crise económica e financeira de grande dimensão e desfecho imprevisível.

E se falhar a negociação com o Lone Star?
Num cenário extremo de ruptura das relações com o parceiro privado no Novo Banco, avança-se para um patamar de litígio cujas consequências dependerão do que estiver previsto no contrato de venda para este caso, cujo teor não se conhece. Poderá estar em causa uma mera indemnização por parte do Estado – que não resolverá o problema dos rácios de solidez – até uma intervenção forçada no Tesouro directamente no capital da instituição, com consequências mais sérias para o OE e que deverão, inevitavelmente, levar a um orçamemto rectificativo, que continuará a precisar de apoio parlamentar.

Adicionalmente, poderão verificar-se danos na imagem de Portugal nos mercados financeiros, perante sinais de um novo foco de incerteza no sistema bancário português, um dos motores da escalada do custo da dívida pública (ainda assim, os juros das obrigações a 10 anos de Portugal estão muito baixos, perto do zero, o que dá alguma margem neste cenário).

Há alguma margem política de evitar um cenário de ruptura?
O Bloco de Esquerda condicionou a sua aprovação do OE 2021 à existência de uma nova auditoria, desta vez pelo Tribunal de Contas, ao teor das injecções feitas pelo Estado no Novo Banco. Uma iniciativa que só deveria ser concluída em Março de 2021.

Dado que as injecções no Novo Banco chegam, todos os anos, em Maio, daria tempo para que o Tribunal de Contas fizesse o seu trabalho e o Novo Banco pudesse receber o dinheiro de que precisa para equilibrar as contas, através de um orçamento rectificativo que voltasse a pôr o Tesouro em cima da mesa. No entanto, até lá teria de ser encontrada uma solução de compromisso que permitisse suspender esse processo sem danos nas contas nem do Novo Banco, nem do Tesouro, nem do Fundo de Resolução (dos bancos privados). E, por outro lado, o Bloco parte do princípio de que a actuação do Lone Star no recurso às injecções do Estado tem sido feita de forma abusiva, dado que as vendas das carteiras de activos tóxicos têm sido feitas a custos excessivamente baixos perante a possibilidade de as cobrir com dinheiros públicos, em benefício de entidades terceiras que compram as carteiras.

Se o Tribunal de Contas confirmar essa prática – que nem a Deloitte, nem o Ministério Público, nem os mecanismos internos de avaliação confirmaram até agora de forma taxativa –, qualquer injecção no Novo Banco ficará seriamente em causa, para além das consequências directas na relação entre o Estado e o Lone Star.  

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