Mesmo sem retorno imediato, Medina diz que retirar apoio à Web Summit seria “erro estratégico”

Evento de tecnologia fundado pelo irlandês Paddy Cosgrave será este ano totalmente online, devido à pandemia de covid-19. Câmara e Governo vão manter apoios de 11 milhões, tal como previsto contratualmente. Mas não esclarecem em que será aplicado o montante.

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Evento será este ano exclusivamente online devido à pandemia DR

A pandemia obrigou a Web Summit a optar por uma edição totalmente online, mas, ainda assim, Governo e Câmara de Lisboa decidiram manter a contribuição de 11 milhões de euros prevista no contrato assinado com a empresa que realiza o certame. A decisão tem levantado, da esquerda à direita, várias dúvidas sobre o apoio público do país a um evento que, este ano, não terá impacto directo na economia da capital. Em resposta aos críticos, o presidente da Câmara de Lisboa nota que retirar os apoios à Web Summit seria uma decisão “absolutamente contrária aos interesses da cidade” e mesmo um “erro estratégico” na estratégia de desenvolvimento económico. E que poderia afastar “um dos grandes motores de atracção das empresas tecnológicas, que são, aos olhos de toda a gente, as que mais estão a crescer durante este período”. 

Esta quarta-feira, em reunião pública do executivo, Fernando Medina insistiu na “importância” que o evento tem para a cidade e para o país. “Quem acha que é este o momento para desvalorizarmos a aposta que fizemos na atracção deste investimento não percebeu nada da importância que isto tem para a nossa cidade e para o nosso país”, atirou aos críticos. E lembrou que está a ser feito um trabalho “muito intenso” na projecção de startups portuguesas e na “atractividade de Lisboa como local de destino”. “Que erro estratégico seria se nós tivéssemos beliscado este grande activo que a cidade conquistou", notou o autarca.

O PÚBLICO tinha já questionado a Câmara de Lisboa sobre se manteria os apoios ao evento e que destino teriam. A segunda questão ficou por responder, mas o município confirmou que não cancelou “qualquer contrato estruturante para o desenvolvimento da cidade”, onde se inclui a parceria celebrada com a Web Summit. E confirmou que mantém o apoio de três milhões nos termos do contrato em vigor e que serão “suportados integralmente por verbas da taxa turística”. 

O município insistiu que a transição do evento para uma plataforma digital irá reduzir substancialmente os encargos suportados pela autarquia em anos anteriores — no ano passado foram, pelo menos, mais de 4,7 milhões

Num requerimento dirigido esta quarta-feira ao presidente da câmara, o vereador do Bloco de Esquerda também questiona que destino tem o apoio que Web Summit recebe anualmente. Manuel Grilo nota que o facto deste evento de tecnologia e empreendedorismo, que se realiza em Lisboa desde 2016, ter passado de um modelo presencial para online torna “o argumento do benefício para a cidade, dado pelo Governo e Câmara Municipal de Lisboa, sem sentido”. E questiona, por isso, se perante a alteração das condições de realização do evento, “foi ou não negociada com a empresa organizadora do evento uma alteração contratual, designadamente para redução do valor a transferir”.

Em 2018, a empresa irlandesa Connected Intelligent Limited, que realiza o evento, o Governo e Câmara de Lisboa assinaram um contrato em que prevê que sejam pagos anualmente 11 milhões de euros públicos para assegurar a manutenção da Web Summit na capital até 2028. Ao município, através da Associação de Turismo de Lisboa, cabe a atribuição de três milhões de euros. 

“O valor despendido neste evento torna-se danoso tendo em conta que não significa qualquer retorno para Lisboa ou para o país”, refere ainda o requerimento, salientando-se que as empresas de produção, de hotelaria, de catering, de restauração, e todas as empresas que davam apoio aos participantes e ao próprio evento “não receberão nenhum benefício do investimento público de 11 milhões de euros no evento”.

Aludindo aos protestos do sector da restauração, comércio e cultura, que se têm realizado nas últimas semanas, o vereador que tem os pelouros da Educação e dos Direitos Sociais sugere que esse montante deveria ser alocado “ao apoio a empresas em dificuldade” na cidade. 

“Só em Lisboa estima-se que existiam 150 mil pessoas a trabalhar na área do turismo e que, de um momento para outro, perderam tudo. Na Baixa já fecharam dezenas de lojas, os comerciantes do Bairro Alto estão em agonia e já há grupos informais de trabalhadores da cultura a recolher comida para quem montava os espectáculos da EGEAC”, refere ainda o vereador no requerimento.

Também o deputado João Gonçalves Pereira (CDS), que, além de estar no Parlamento é vereador em Lisboa, já dirigiu questões ao Governo e à câmara sobre a manutenção do apoio. E deixa claro que considera “muito discutível o retorno de uma Web Summit virtual”.

Sempre que se questionam os impactos económicos do evento na capital e no país, o Governo acena com um número: 300 milhões de euros anuais. Mesmo sem retorno este ano, o Ministério da Economia e da Transição Digital (METD) reforça a importância do evento, dizendo que a transição da conferência para um modelo online sai “reforçada” para as empresas que se associem ao evento. Como? Pelos “contactos e encontros" que se fazem, diz o ministério. 

“É inegável o impacto positivo que as últimas quatro edições da Web Summit (WS) tiveram no desenvolvimento da economia do país. Além dos impactos económicos directos, resultantes das despesas realizadas pelas entidades promotoras do evento e pelos participantes, é essencial focarmo-nos nos impactos económicos indirectos, tratando-se a WS de um fórum de excelência para os contactos e encontros e onde são iniciadas negociações entre as diversas entidades”, notou o ministério em resposta às perguntas do PÚBLICO. 

Sem resposta ficaram as questões relativas ao destino dos 11 milhões de euros que servirá para financiar o evento e se foi negociada uma redução desta verba, num ano em que o país não beneficiará das receitas provenientes do turismo. com João Pedro Pincha

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