É tempo de aguçar o engenho

A nossa estimativa aponta para um custo total para o processo do concurso da FCT de 27 milhões de euros, representando mais de um terço do valor que será distribuído pelos 312 projetos ganhadores. Tanto desperdício é difícil de entender.

Uma vez mais a comunidade científica é posta à prova em concursos cujos resultados são muito pouco satisfatórios para as instituições do Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia mas, sobretudo, para os investigadores que investiram muito tempo na escrita de candidaturas a projetos. Os concursos fundamentais para a investigação científica em Portugal têm vindo a ter taxas de sucesso sistematicamente muito baixas, tendo-se atingido os mínimos históricos de 5,3% no último Concurso de Projetos de Investigação Científica e Desenvolvimento Tecnológico (IC&DT) em todos os domínios científicos, cujos resultados foram divulgados a 6 de Novembro.

Das 5847 equipas de investigação que dedicaram muito tempo e esforço para elaborar planos de investigação e escrever candidaturas, 5535 não receberão fundos para concretizar o que planearam. Quantos desses projetos que ficaram agora na gaveta produziriam as descobertas necessárias para a ciência responder às crises sanitárias, sociais, económicas e ambientais do futuro? Tanto desperdício é difícil de entender numa época de crise sanitária e económica sem precedentes, em que o mundo espera da ciência a sua resolução.

É certo que a competição fomenta qualidade e inovação e, por isso, os concursos que utilizam a avaliação por pares para selecionar os melhores projetos são importantes para a ciência. No entanto, é amplamente reconhecido que taxas de aprovação tão baixas colocam em causa o próprio processo de realização de concursos com avaliação por pares. Um dos motivos é o desperdício de tempo, dinheiro e recursos públicos, tanto para as instituições de investigação e desenvolvimento (I&D) como para a Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), que acarreta o custo da organização do concurso. Outros são a diminuição na qualidade da avaliação (levando a inúmeros pedidos de reavaliação, com gastos adicionais) e a ressubmissão das mesmas propostas em concursos subsequentes (adicionando custos e desperdício). Já é mais fácil ter sucesso em concursos europeus (13% taxa de sucesso para Portugal no programa Horizonte 2020), onde se compete com as melhores equipas de toda a Europa, do que conseguir financiamento nacional via FCT.

O custo do Concurso de Projetos IC&DT é facilmente estimado, considerando o salário médio de um investigador, o número de investigadores envolvidos numa proposta e o tempo necessário à preparação de uma candidatura. Os mesmos cálculos podem ser feitos para a avaliação, considerando os honorários dos avaliadores por proposta e o tempo e custo do pessoal da FCT envolvido no concurso. A nossa estimativa aponta para um custo total para o processo do concurso de 27 milhões de euros, representando mais de um terço do valor que será distribuído pelos 312 projetos ganhadores. São 27 milhões de euros desperdiçados que, se a forma de atribuir fundos fosse mais eficiente, poderiam financiar mais projetos de investigação, gerar mais tempo para fazer investigação e menos desgaste e desmotivação nos investigadores, reféns de concursos onde a probabilidade de sucesso é ínfima e quase aleatória.

No momento atual em que as políticas de emprego científico têm levado à fixação de muitos doutorados nas instituições, lançar um concurso que financia apenas 300 projetos é uma prática desajustada. Sendo os concursos a projetos um dos pilares do sistema nacional de ciência e tecnologia, o risco de desequilíbrio estrutural é iminente: fixam-se pessoas altamente qualificadas, mas não se lhes permite captarem fundos para poderem trabalhar.

Tal como para os setores da saúde, educação e outros, também na ciência mais financiamento é obviamente uma necessidade. É necessário assegurar que o investimento em I&D atinge, todos os anos, a média europeia. Será muito importante assegurar um quadro multianual de financiamento para o setor. Urge assegurar que os fundos europeus de restruturação sejam aplicados com consistência também em ciência. Há, no entanto, um aspeto que é constantemente negligenciado: o de como fazer melhor com os fundos disponíveis.

A atribuição de fundos por concursos competitivos pode ser mais eficiente. É preciso repensar a complexidade dos formulários e processo do concurso, e simplificar drasticamente o processo de avaliação, poupando tempo e recursos. Pode também repensar-se a elegibilidade aos concursos. Um dos efeitos deste concurso é deixar fora do financiamento jovens doutorados, com menos currículo e experiência – mas com ideias inovadoras e disruptivas.

Podem-se aproveitar as avaliações muito robustas de alguns concursos europeus individuais para financiar investigadores portugueses que tenham ficado bem classificados, mas não tenham sido financiados pela Comissão Europeia. Nestes casos, poupa-se na avaliação, e atrai-se para Portugal investigação e inovação de grande qualidade.

Podem lançar-se concursos mais articulados com os concursos europeus, que permitam dotar mais equipas portuguesas da competitividade necessária para participar ou coordenar projetos europeus. Os fundos estruturais podem ser chamados a contribuir para essa capacitação.

Por último, podem explorar-se modelos mais ousados de atribuição de fundos, já testados em alguns países. Falamos de modelos que abandonam, pelo menos parcialmente, a avaliação por pares e introduzem sistemas de sorteio ou sistemas descentralizados onde os investigadores são atores da distribuição de fundos.

Estas medidas não resolvem o problema da falta de financiamento para a ciência, mas contribuem para racionalizar e poupar tempo dos investigadores, reféns de concursos com baixa taxa de sucesso. Num país em que a ciência é subfinanciada, a necessidade tem de aguçar o engenho. Com criatividade, pragmatismo e abertura a soluções inovadoras, a tutela pode trabalhar com a comunidade científica para fazer melhor com o que temos. É tempo de colocar outras opções em cima da mesa e encontrar soluções para um problema que se acentua concurso após concurso.

Os autores escrevem segundo o novo Acordo Ortográfico

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