A vulnerabilidade da democracia nas ONGA

É urgente, para que as ONGA voltem a contribuir para o bem da sociedade, que os sócios se sintam plenamente participantes em liberdade e igualdade, como numa ordem constitucional.

“A capacidade do homem para a justiça faz a democracia possível, mas a inclinação do homem para a injustiça faz a democracia necessária”
Reinhold Niebuhr

Hoje em dia, nos clubes de futebol, há uma desigualdade declarada na distribuição do voto pelos eleitores. Há quem tenha direito a colocar na urna vários votos e quem só possa colocar um. E é legal. Está nos estatutos do próprio clube. A questão é que, lá porque é legal, não significa que seja democrático. A forma de se eleger o poder em grandes clubes não corresponde à assunção de uma democracia plena. E, lamentavelmente, a forma de se eleger e exercer poder nas ONGA vai pelo mesmo caminho. Acontece que as ONGA são entidades com responsabilidade na sociedade civil, sem fins lucrativos, cujo propósito é defender o Ambiente por todos aqueles que queiram colaborar. Deveriam ser o exemplo de um regime democrático.

A democracia nas ONGA tem-se desviado da evolução da democracia nas sociedades, os seus dirigentes cada vez menos têm sabido manter os direitos e liberdades dos associados previstos num regime democrático. Cito o caso de uma ONGA conhecida de uma grande maioria dos portugueses, talvez a mais conhecida. Mas o que a maioria dos portugueses não conhece com certeza é a organização interna dos seus corpos dirigentes e respetiva forma de eleição e atuação, com características autoritárias, onde uns, declaradamente, mandam mais e impõem a sua vontade. Nas próximas eleições desta ONGA, existe um presidente da Mesa da Assembleia Geral (PMAG) não eleito, mas sim designado e em exercício há pouco mais de um mês, que ignora os seus sócios, que toma decisões sozinho, escreve regras e documentos, admitindo que são por sua conta e risco. Onde o título começa com a palavra “Controle...”, o que é muito elucidativo de um aparente abuso de poder. Um documento que, além do mais, estabelece inúmeras regras que regulamentam diversos aspetos, redigido de forma autónoma, ignorando e até contrariando o que está previsto nos estatutos da própria associação. Fica a questão: nos clubes de futebol, também impera este tipo de atitude?

É que esta não mais parece do que uma forma abusiva de, como o nome indica, controlar algum processo, numa organização que se pensa, aos olhos dos portugueses, democrática. Ora, numa associação que se diz democrática, deveria ser a maioria dos sócios a decidir no momento de alguma escolha. Por muito que uma direção ou um PMAG tenha de dirigir, não pode ignorar a necessária participação dos associados, não discriminando ninguém. Numa ditadura, o poder está centrado em apenas um grupo ou, neste caso, numa direção. Cito agora uma outra ONGA, que se formou por cisões na anterior e que tem o poder concentrado nos seus sócios fundadores no sentido de garantir que ninguém, a não ser quem os fundadores entendam, possa exercer poder. E é muito simples: nos seus estatutos contemplam que por cada sócio corresponde 1 (um) voto, mas por cada sócio fundador correspondem 8 (oito!) votos; se víssemos este 8 como um zero, ou melhor, dois zeros na vertical, poderia não significar nada, mas não é o caso, traduz-se mesmo em oito vezes mais poder que um outro sócio legitimamente inscrito. Será este um regime democrático?

Afinal, para que serve uma Assembleia Geral? Ao que se vê, quem está no poder esquece-se facilmente de que democracia significa liberdade e direito com respeito por todos, sendo o direito de voto sem discriminação uma das suas características fundamentais. Infelizmente, muitas destas qualidades estão ausentes. Poderia alongar-me sobre mais ONGA, onde uma outra, por exemplo, afasta candidaturas eleitorais por razões perfeitamente ilícitas. Mas vou apenas descrever a atuação de cargos dirigentes na primeira ONGA mencionada, onde pude presenciar que não existe qualquer princípio democrático. Imaginem uma direção que não redige atas do que, verdadeiramente, se passou em reunião, nem as divulga pelos presentes. Há um grupo que decide o que ali se vai escrever. Há um grupo que até é capaz de tomar uma decisão e depois redigir uma ata para aprovar essa decisão em data e local puramente fantasiados. Se conseguir que a maioria a assine, está aprovada. Mas, na verdade, a maioria dos assuntos não são colocados a votação e existem “cúmplices” escolhidos a dedo, que aceitam esta forma de agir. E digo escolhidos a dedo porque os dirigentes desiludidos são pressionados a se demitirem, para serem substituídos pelos tais escolhidos, numa pura antidemocracia. 

Em 2008, expulsaram-me desta ONGA, sim, é um nome forte. Mas expulsaram-me apenas porque questionei, numa Assembleia Geral (AG), financiamentos mal explicados, ainda com elementos que mais tarde formaram a tal associação dos 8 votos. Acabei por recorrer à via judicial e fui indemnizada pelos danos. Mais tarde, voltei à mesma associação por convite, para um cargo de direção, e fui eleita em AG. Encontro-a agora ainda mais “corrompida”. Onde os dirigentes agem somente em prol do seu interesse ou do seu grupo. Quem discorda é perseguido e, ignorando os instrumentos legais, é afastado. E, pior, encontrei dirigentes que infelizmente não têm qualquer conhecimento para tratar diretamente os assuntos do Ambiente.

Sente-se que a democracia da vida associativa se tem imiscuído e reduzido o seu valor social, e é balizada por regulamentos não aprovados pelos sócios, ou estatutos que conferem poderes diversos. É urgente, para que as ONGA voltem a contribuir para o bem da sociedade, que os sócios se sintam plenamente participantes em liberdade e igualdade, como numa ordem constitucional.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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