Jerónimo adverte Costa para não acentuar medidas repressivas contra a pandemia

Líder do PCP ataca preconceito anti-comunista e garante segurança em Loures. Assumindo que permanecerá na liderança do partido, Jerónimo de Sousa revela que comité central será mais pequeno, terá mais mulheres. Já sobre o Orçamento do Estado para 2021 sublinha que o entendimento com o Governo está “longe, longe”.

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Jerónimo de Sousa vai continuar à frente do PCP LUSA/TIAGO PETINGA

O secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, advertiu o Governo de que deverá encontrar “outro caminho” que não acentuar medidas repressivas para combater a pandemia, notando uma degradação do exercício de direitos em particular no mundo laboral.

Em entrevista à Agência Lusa, realizada na quinta-feira, o líder do PCP ressalvou que acredita que o Governo do socialista António Costa “pensará que está a fazer o melhor” e que “não tenha esse objectivo de limitação de direitos” mas, advertiu, há medidas “que não se entendem” e que “são incoerentes”.

“Não passo um atestado ao Governo de que está mais virado para a proibição e repressão, não está, mas devia encontrar outro caminho, fazer um esforço para, num quadro de gravidade que todos reconhecemos, encontrar formas de não perder a vida no plano social, no económico e até no plano da esperança”, disse. E considerou que, em consequência da estratégia do Governo para conter a pandemia, tem havido uma degradação do exercício de direitos em particular nas empresas e locais de trabalho, para além das “sequelas” económicas.

Segundo Jerónimo de Sousa, há hoje “situações de injustiça nas empresas, onde em nome da pandemia, se proíbem plenários, se proíbe a intervenção dos representantes dos trabalhadores nessas empresas, trabalhadores que começam a ter dificuldade de fazer face à vida”.

“E noutra componente que são os pequenos e médios empresários que estão num sufoco que pode levar à destruição de milhares de empresas”, acrescentou, considerando que é tempo de fazer um “balanço” dos resultados objectivos das medidas de contenção da pandemia.

“Uma das perguntas que mais me fazem é: Explique lá isto, por que é que à uma hora da tarde as pessoas têm de ir para casa?”, contou o líder comunista, admitindo é uma pergunta de “resposta difícil” e que compete ao executivo explicar o significado dessas medidas.

O pior que pode acontecer, advertiu o secretário-geral do PCP, é “alimentar as campanhas do medo” e optar por “uma resposta resvaladiça limitando as liberdades”.

“O que receio é que se desenvolva uma campanha que agite o medo, fundamentalmente sustentada na ideia do medo e não na pedagogia da protecção”, criticou, defendendo a ideia de que “a vida tem de continuar” apesar da pandemia de covid-19.

Contra o preconceito anticomunista

O secretário-geral do PCP alertou contra o preconceito com o partido, que tem o “direito político” de fazer o seu congresso, e criticou o “silêncio de chumbo” sobre a reunião magna do Chega, que “parecia uma feira”.

A menos de uma semana do congresso de Loures, distrito de Lisboa, de 27 a 29 de Novembro, Jerónimo de Sousa afirmou que a preparação das condições sanitárias para a reunião em tempo de pandemia de covid-19 tem sido acompanhada pelas “autoridades de saúde”, que deram o acordo à sua realização.

E questionou que, havendo condições de segurança sanitária, não se fizesse a reunião e se adiasse para o “dia de São-Nunca-à-tarde”. “Nós não somos tontos. Se não estivessem criadas condições não o faríamos”, mas elas existem para o “exercício de um direito político importante”, disse, admitindo que seria mais confortável, aos comunistas, ficar em casa “no sofá”. Jerónimo de Sousa dramatizou a realização do congresso, dizendo que, a seu ver, não se pode pôr em oposição (ou dilema) “as medidas de segurança que vão ser necessárias e o exercício das liberdades”.

“Tivemos essa experiência durante 48 anos e o povo português não gostou nada disso”, afirmou Jerónimo, que afirma não recear a incompreensão da opinião pública por os comunistas se reunirem em congresso quando parte dos cidadãos está sujeita a restrições de deslocação e obrigados a recolhimento durante o fim-de-semana em que se realiza o congresso. É até uma posição que até “devia ser valorizada”, disse, por que é uma forma de mostrar que “não está tudo perdido”, apesar da pandemia, e é possível manter a actividade.

O secretário-geral do PCP comparou a polémica em torno do congresso com a da Festa do Avante!, em Setembro, e apontou a diferença com que foi comentado o congresso, em Setembro, do Chega, o partido populista de direita, em Évora, onde delegados andaram sem máscara. No caso do congresso do Chega, “aquilo parecia muito pior que uma feira”, “qual foi a reacção e alguém teve a percepção que aquilo foi um perigo”, questionou, para logo dar a resposta, com ironia: “Tanta preocupação com o PCP e [houve] um silêncio de chumbo em relação àquilo que aconteceu em Évora.”

De resto, Jerónimo de Sousa ironizou que “a preocupação” com o congresso comunista “não é sanitária”: “Não é. A preocupação é outra, é em relação ao papel à intervenção e à luta do PCP.” O congresso do PCP realiza-se no Pavilhão Paz e Amizade, em Loures, de 27 a 29 de Novembro e a organização reduziu o número de delegados para metade (cerca de 600), com regras de circulação, incluindo o uso de máscara.

Jerónimo afirmou, igualmente, que a reunião magna dos comunistas é uma forma de mostrar que “é possível manter a actividade” e “não está tudo perdido, que é possível, além das medidas, retomar uma coisa que se está a perder, a esperança, a esperança de uma vida melhor”.

A lei do estado de sítio e estado de emergência não proíbe reuniões partidárias. “As reuniões dos órgãos estatutários dos partidos políticos, sindicatos e associações profissionais não serão em caso algum proibidas, dissolvidas ou submetidas a autorização prévia”, segundo a lei.

Mais pequeno, mais mulheres

O comité central do PCP a ser eleito no próximo congresso, em Loures, deverá ser mais pequeno e o líder comunista promete renovação e rejuvenescimento, incluindo mais mulheres. Jerónimo de Sousa afirmou que no comité central deste fim-de-semana, que este domingo termina, vão ser concluídas as Teses – projecto de resolução política, que tiveram mais 1500 propostas de alteração, e a composição do futuro órgão, a eleger em congresso.

Nada deverá ser decidido este domingo, no entanto, quanto ao futuro secretário-geral. Jerónimo de Sousa admitiu que a proposta para a composição do órgão máximo do PCP entre congressos preveja “uma redução” no número de membros (actualmente são 144), mantendo os critérios de “origem social”. Tradicionalmente, este órgão tem “uma ampla maioria de operários e empregados, com uma forte componente operária”.

O secretário-geral afirmou o objectivo de fazer um rejuvenescimento no órgão, tal como já tinha acontecido no anterior congresso, com um reforço, que admitiu sempre “muito difícil”, no número de mulheres.

Cedo para escrever memórias

Jerónimo de Sousa admitiu, implicitamente, continuar como secretário-geral do PCP no congresso de Loures, e disse que ainda é cedo para escrever as suas memórias. “Eu hoje não estaria em condições de escrever um livro de memórias. Continuo a pensar que meu futuro, seja como secretário-geral seja como membro do comité central ou como militante, é ainda a olhar para frente. Continuo com mais projecto do que memória”, afirmou, questionado sobre os 16 anos de liderança, desde que sucedeu a Carlos Carvalhas, em 2004.

Aos 73 anos, o líder dos comunistas afirma, com um sorriso, que, apesar das leis da vida, se tem “aguentado muito bem”, mas remete a decisão quanto à escolha do secretário-geral para o comité central a eleger no XXI congresso. Jerónimo não revelou o que pensa, pessoalmente, e realçou que “a vontade maior deve ser do próprio partido” quanto à escolha do secretário-geral. Com um sorriso, comentou ser “curioso” que o actual Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, tem “praticamente” a sua idade [71 anos], e prepara-se para eventual candidatura para mais cinco anos. “E ninguém questiona a questão da sua idade. E bem”, disse.

A primeira vez que admitiu não se recandidatar à liderança, porque “é da lei da vida”, foi numa entrevista à Lusa em Março de 2019, embora frisando não ir “calçar as pantufas”, mas em Setembro aconselhou “uma tripla” sobre o seu futuro, “sair, ficar ou ficar mais um bocadinho”.

Passados 16 anos, destacou o facto de o partido ter escolhido um “operário metalúrgico” para líder recordou, também, quando teve de enfrentar o preconceito, devido à sua “origem social”, depois de ser eleito, em 1975, para a Assembleia Constituinte. E emocionou-se ao recordar palavras de pessoas na rua quando lhe dão palavras de incentivo, apesar de admitirem “não sou do seu partido” ou até quem lhe diga: “Deus o guarde.”

Agravadas divergências com o PS

O líder dos comunistas não se arrependeu da experiência do acordo à esquerda nos anos da “geringonça” (2015 a 2019), mas admitiu que a crise da pandemia agravou “divergências insanáveis” com os socialistas. Mas sublinha que era importante afastar o Governo PSD-CDS. “Fizemos aquilo que julgamos certo e que a vida demonstrou, de certa forma, que estávamos certos”, afirmou o secretário-geral do PCP, que admitiu dificuldades em eventuais entendimentos futuros.

Questionado sobre o que foi positivo ou negativo ao longo dos quatro anos resultado das “posições conjuntas” com o PS, Jerónimo enumerou medidas sociais, embora tenha ressalvado que se trata de conquistas “limitadas”.

As medidas positivas dadas como exemplo foram “a reposição de salários e do décimo terceiro mês, o aumento das reformas, a redução das tarifas dos transportes, uma medida de grande alcance”, neste “quadro de questões ambientais”.

De negativo, Jerónimo ressaltou que o PS “sempre, mas sempre que era confrontado com questões estruturais como a situação dos serviços públicos, não atendeu” às posições do PCP, mesmo, tratando-se de questões de emergência, como o reforço do Serviço Nacional de Saúde ou da escola pública.

Resumindo, trata-se de “valorizar o que deve ser valorizado e assumir” que há “necessidade de uma política diferente, com uma ruptura com a política de direita e uma política patriótica de esquerda que resolva os problemas nacionais”. E afirmou: “Naturalmente, há aqui divergências insanáveis que, infelizmente se estão a agravar.”

Para a história, Jerónimo de Sousa contou que, em 2015, nas conversações com António Costa para as “posições conjuntas”, o PCP se comprometia a não viabilizar uma moção de censura, mas também que “disse ao PS que não deveria apresentar nenhuma moção de confiança”.

Orçamento está “longe, longe”

O líder do PCP endureceu o discurso e assumiu que o Governo está “longe, longe” das posições dos comunistas no Orçamento do Estado para 2021 (OE2021) e não vê abertura para as propostas do partido. Jerónimo de Sousa admitiu que, sem “fazer juízos apressados” – “até ao lavar dos cestos é vindima” – o PCP irá fazer “tudo para que o orçamento corresponda às necessidades nacionais”, “honrando a sua palavra até o fim”. No entanto, o líder comunista não vê, “neste momento”, “essa disponibilidade e garantia por parte do Governo do PS”. E afirmou: “Podemos dizer que o Governo não se tem aproximado” das posições do PCP.

Os comunistas, sublinhou, fizeram “mais de três centenas de propostas” de alteração do Orçamento para o debate na especialidade, que se prolonga na próxima semana no Parlamento, e a abertura dada pelos socialistas é considerada insuficiente. “Aqui ou acolá, o Governo do PS tem procurado corresponder a esta ou aquela proposta do PCP, mas importa lembrar que o que vamos fazer é uma votação final global”, disse, para sustentar que será a “apreciação da globalidade do Orçamento que determinará” a posição do partido.

Podem ter existido “duas, três, quatro propostas positivas”, mas nem o prolongamento do layoff pago a 100% para 2021, anunciada pelo PS e que o PCP também defendia, é suficiente para convencer o partido comunista. “Claro que não”, respondeu. De rajada, aponta logo três áreas em que, segundo defende, há falta de resposta da parte do executivo liderado por António Costa.

Hoje, existe “um problema social grave não só em termos de salários”, mas também com o layoff, que “fez mossa na vida de quem trabalha” por “o trabalhador perder [o equivalente] a um salário” de três em três meses. Quanto ao Serviço Nacional de Saúde, “o necessário reforço que toda a gente parece estar de acordo”, não tem, depois, “medidas concretas” que o ponham em prática. E no plano económico “há sectores muito diversos” a ser atingidos, “particularmente as pequenas e médias empresas”, enquanto, disse, há um “carácter intocável em relação aos grandes grupos económicos, que continuam de vento em popa”.

Jerónimo de Sousa acredita que “o povo e os portugueses” compreenderam a posição do PCP, ao abster-se na generalidade e fazendo depender o sentido de voto da aceitação de propostas do partido e da avaliação global que fará na votação final global, na quinta-feira.

“O que nós não podemos fazer é aprovar um orçamento onde estão ausentes [as respostas] a grandes questões sociais e as grandes questões económicas”, afirmou, recusando criar “ilusões” aos portugueses. Havendo “avanços” com medidas “no plano estrutural” da parte do Governo, há “uma perspectiva”, mas, “a manter-se a situação”, o líder comunista recusa antecipar a posição que o partido “não tem” e confessou: “Mas sentimos o PS longe, longe destes objectivos.” Poderá o PCP sentir-se corresponsável por uma eventual crise política caso o OE2021 seja “chumbado”? A resposta de Jerónimo resume-se a esta frase: “A nossa primeira responsabilidade é com o povo e não com o PS.”

E sobre se a realização do congresso poder ser entendida como uma “moeda de troca” do Governo em matéria orçamental, Jerónimo de Sousa afirmou, em tom grave, uma “posição séria clara e honrando a palavra”. “Nunca por nunca, em relação ao governo, e da sua parte em relação ao PCP que alguma vez que o Congresso tenha sido referido como moeda de troca em relação à situação que vivemos. Empenho aqui a minha palavra para dizer que essa questão nunca foi levantada e ou tratada”, disse.

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