O céu não pode esperar

O setor da aviação, motor do crescimento da economia portuguesa na última década, pela porta que abriu ao turismo internacional, atravessa o seu momento mais negro, pelo menos, desde os atentados de 11 de setembro.

Nos anos 70 e 80 e até à então 3.ª classe do ensino primário, estudei na cidade do Rio de Janeiro. Regressei a Portugal para completar a 4.ª classe e ingressar no Colégio Militar. À data, uma viagem de ida e volta ao Rio de Janeiro rondava os 300 mil escudos, ou seja, cerca de 1500 euros. Felizmente, os meus pais tinham condições para me garantir uma visita anual à família, caso contrário, teria ficado mais de oito anos sem o poder fazer.

Volto a esta realidade não tão longínqua assim para me perguntar se corremos efetivamente o risco de regressar a este tempo. O tempo em que viajar de avião só estava ao alcance de poucos, privando famílias do reencontro, travando negócios, impedindo várias gerações de abrir horizontes, fechando países e cidades à sua dimensão, enfim, reduzindo o mundo à distância permitida pelas ligações rodoviárias e ferroviárias.

Infelizmente, este risco é real. Em 2020, os céus voltaram a estar despidos de um meio de transporte de excelência que tornou o conhecimento do mundo mais democrático e global. O setor da aviação, motor do crescimento da economia portuguesa na última década, pela porta que abriu ao turismo internacional, atravessa o seu momento mais negro, pelo menos, desde os atentados de 11 de setembro.

Em Portugal, onde a pandemia começou a ser percecionada pela população apenas em fevereiro – à imagem do resto da Europa, com os alertas dos profissionais de saúde de Itália –, os dados relativos ao transporte de passageiros não deixam margem para dúvidas: dos 48 milhões de passageiros transportados em 2019 entre janeiro e outubro, caímos para menos de 16 milhões. E se este valor é impressionante, não o é menos os 4,8 milhões de empregos de trabalhadores da aviação que estão em risco como resultado da queda abrupta na procura de viagens aéreas em mais de 75% (números de agosto deste ano em comparação com agosto de 2019). O impacto no setor da aviação é de tal ordem que, em menos de um ano, a questão do aeroporto complementar do Montijo passou de uma inevitabilidade para uma possibilidade sujeita a uma avaliação ambiental estratégica naquela localização, voltando a adiar a discussão que já leva mais de 50 anos.

O cenário traçado por vários especialistas – apontando inclusive para 15 anos como o prazo para recuperarmos o tráfego pré-covid – vão dando uma noção do que temos pela frente: o enorme desafio de salvar de uma morte não tão lenta quanto dolorosa uma indústria estratégica para o nosso desenvolvimento socioeconómico que só na Europa suporta 12,2 milhões de postos de trabalho e contribui com 693 mil milhões de euros para o PIB europeu.

O tempo exige, pois, uma liderança forte e afirmativa, que defenda a aviação sem medo, mas com medidas verdadeiramente eficazes, como a redução e isenção de taxas, alívios nas restrições operacionais, apoios através de subsídios a fundo perdido, possibilidade de dedução dos prejuízos fiscais e, muito importante, uma verdadeira política de parceria e cooperação entre companhias. O céu não pode esperar mais.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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