Pode já ser tarde, Dr. Costa

O que o Dr. Costa vai ter dificuldade em explicar aos netos é por que razão, uma vez cumprida a conquista do poder, se recusou a olhar em frente e optou por teimosamente tentar repetir uma fórmula em que ele próprio tinha deixado de acreditar

Como se costuma dizer, só a morte não tem solução. No entanto, há momentos críticos em que uma decisão errada, seguida de insistência no erro, fazem colapsar o maior dos sucessos e tornam a salvação uma quimera impossível. Quando isto acontece, o herói responsável fica com um nó na garganta, que o impedirá no futuro de construir uma explicação plausível para contar aos netos: como foi possível ter falhado tão miseravelmente?

Que o diga aqui ao lado o Rivera dos Ciudadanos que, tendo na sua mão a chave da solução para a democracia espanhola através da ancoragem do PSOE ao centro e da abertura do estaleiro das reformas, enlouqueceu e, julgando-se dono da direita, ambicionou poder ter um título que lhe daria um prestígio sólido e a eternidade no poder. O que aconteceu está à vista: Rivera finou-se, apagou-se da História, e o PSOE caiu no regaço de tontos e de declarados inimigos de Espanha, abrindo as portas para um novo suicídio nacional. Não era preciso ter acontecido assim.

A questão hoje é como é possível o PS ter perdido a iniciativa a favor do Chega. Porque difícil é entender como pôde o Dr. Costa ter desprezado, olimpicamente e durante tantos meses, a mão que lhe estendia o seu colega do centro-direita, homem livre e orgulhosamente não dependente de ideologias e de futebóis para conseguir respirar. É certo que as circunstâncias tinham levado o Dr. Costa a recorrer inicialmente à extrema-esquerda para chegar ao poder. Com esse apoio, conseguiu governar, demonstrando que um governo fiscalmente responsável não era um direito reservado à dupla Passos + Portas. As muletas do BE e do PCP permitiram ao PS governar com tranquilidade e tiveram a virtualidade de abrir o espaço político à convivência com grupos de cidadãos até aí enjeitados do sistema. O País viveu em paz e a conjuntura económica fez o resto.

Mas o que o Dr. Costa vai ter dificuldade em explicar aos netos é por que razão, uma vez cumprida a conquista do poder, se recusou a olhar em frente e optou por teimosamente tentar repetir uma fórmula em que ele próprio tinha deixado de acreditar. Porque não aceitou as alternativas que se lhe ofereciam de juntar as forças do centro político para travar a batalha da sobrevivência nacional? Durante algum tempo, esta até foi uma oportunidade real, num raro alinhamento de astros na democracia portuguesa. Mas o comboio passou e o Chega tomou agora o seu lugar na carruagem. Não se materializando uma maioria política qualificada, as reformas que responderiam às preocupações da maioria e às necessidades do país saíram da agenda. Resta a conversa nos talk shows televisivos sobre as questões fracturantes, agora de direita e com sabor lusitano, trauliteiro e passadista. Para fazer o contraponto com as que eram as preferidas do BE. A animação vai continuar, agora com outro sabor, mas com os mesmos resultados. Não havia necessidade.

Portugal precisa urgentemente de reformas. O sistema está gasto, ancorado num equilíbrio de forças políticas que têm como único objectivo a sua própria sobrevivência, e que são indiferentes aos problemas reais. Até a arquitectura constitucional está desfasada do momento, dos desafios e dos riscos com que hoje estamos confrontados e actua contra nós. Temos em Portugal muitas coisas boas, mas não temos sequer a demografia que nos garanta uma existência decente daqui a algumas décadas. Nem um tecido produtivo que permita libertar as energias empreendedoras na competência global. Ao continuar como até aqui, não resolvendo nada, não produzindo soluções, a saída será enveredar pelas avenidas mágicas, que terminam sempre em tragédia.

Sabemos muito bem que enquanto as reformas se constroem ao centro, as revoluções são obra dos extremos e acontecem quando as soluções não aparecem. A diferença é que as revoluções – que regam o terreno com o nosso sangue e o dos nossos adversários –, caso um dia venham a produzir resultados positivos, fá-lo-ão à custa da dignidade humana.

Merecemos melhor.

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