Uma mensagem terrível e corajosa

Num tempo político em que o radicalismo é mais audível do que velhos conceitos como união, compromisso, perseverança e coragem, o Presidente optou pelo risco do fora de moda.

Esqueçamos o Natal. Esqueçamos o fim súbito e rápido do pesadelo. A mensagem do Presidente da República sobre o início do segundo período de estado de emergência não deixa margem para dúvidas: o pior está para acontecer. Andamos há pelo menos três meses a coexistir com as más notícias, com o disparo dos contágios, com sinais alarmantes no Serviço Nacional de Saúde, com indícios de que a coesão do país, que nos permitiu ultrapassar com relativa normalidade os dias de chumbo da troika, o tumulto da revolução ou do fim de um ciclo histórico multissecular baseado num ideal de império, está ameaçada. Preparemo-nos para meses ainda mais duros, mais incertos e mais ansiosos. Vamos ter de resistir a maiores privações.

Em poucos minutos, Marcelo Rebelo de Sousa encostou-nos à parede. Teve a coragem de dizer que nestes tempos em que a política se dilui no facilitismo e na demagogia não há alternativas senão encarar a realidade. Estamos a curta distância de “situações críticas generalizadas” no SNS. Há portugueses condenados a atravessar a tormenta nos “porões” e é para esses que se devem dirigir as nossas maiores preocupações e as ajudas do Estado.

O cansaço e a falta de uma luz ao fundo do túnel ameaçam promover a “violência física”. A clivagem entre legítimas opiniões sobre a forma como a pandemia está a ser combatida tende a criar trincheiras intransponíveis. Entre a solenidade, a razão e a emoção, o Presidente deu-nos um murro no estômago. Outro murro no estômago, este ainda mais assertivo, violento e verdadeiro.

Mas deixou-nos um caminho para o mal menor, também ele corajoso neste tempo, em que é mais fácil e audível a indignação e o rancor contra os políticos do que a moderação, que, como afirmou David Justino, exige coragem para ser assumida. Marcelo disse o que um chefe de Estado tem de dizer, mesmo correndo o risco de ser acusado de pieguice, de saudosismo patriótico ou de branqueador dos erros do regime.

Disse que este “é o tempo de convergir, mesmo discordando”, que o tempo de “ajuizar de actos e de autores” acontecerá nas próximas eleições, que, por agora, é tempo de “solidariedade”, de união, da confiança indispensável para se não “renunciar” nem “baixar os braços”. Num tempo político em que o radicalismo é mais audível do que velhos conceitos como união, compromisso, perseverança e coragem, o Presidente optou pelo risco do fora de moda.

A maioria dos portugueses que o ouviu pode ter estranhado, ou até discordado. Mas pelo menos percebeu o que está em jogo: o presente e muito do que seremos no futuro.

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