Testes rápidos de antigénio requerem “prescrição”, mas Cruz Vermelha está a fazê-los sem qualquer documento médico prévio

Circular da DGS, do Infarmed e do INSA refere que a realização dos testes rápidos de antigénio “requer prescrição e acompanhamento médico”.

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Daniel Rocha

Qualquer pessoa que, a título particular, queira fazer um teste rápido de antigénio no Posto Fixo de Lisboa da Cruz Vermelha só tem de fazer um telefonema, marcar, aparecer, pagar 20 euros e já está. Sem necessidade de apresentar previamente qualquer documento médico. No entanto, o que a circular da Direcção-Geral da Saúde (DGS), do Infarmed e do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA) prevê é que a realização dos testes rápidos de antigénio para SARS-CoV-2 “requer prescrição e acompanhamento médico”.

Questionado pelo PÚBLICO sobre esta circular, o presidente da Cruz Vermelha, Francisco George, afasta o entendimento de que a Cruz Vermelha esteja a actuar à margem das recomendações. “Na minha interpretação [a prescrição] não é prévia”, nota, defendendo que o importa é que, no processo, haja “acompanhamento e intervenção” médicos, algo que, assegura, a instituição consegue garantir. No entanto, neste momento o Posto Fixo de Lisboa não tem médicos em permanência, apenas de chamada, apesar de Francisco George afirmar que estão a ponderar colocar no posto um médico de serviço.

O gestor do Programa Especial de Testes Covid-19 da Cruz Vermelha Portuguesa Gonçalo Órfão admite que estão “a tentar perceber se o que essa circular diz é que é preciso um documento prévio”: “É uma área burocrática. Como médico, posso dizer que todos os exames devem ser recomendados por médicos, mas o mais importante é haver um acompanhamento médico”, insiste.

Apesar de, no início, quando se começou a usar este tipo de testes, a Cruz Vermelha ter referido a necessidade da prescrição médica, o PÚBLICO confirmou depois que, no Posto Fixo de Lisboa, por exemplo, é possível qualquer pessoa, a título individual e privado, ir fazer este tipo de teste sem qualquer prescrição prévia de médicos. Marca, aparece, paga e faz. Nem em nenhum momento prévio à realização daquele tipo de testes, a título particular e individual, há qualquer médico a colocar qualquer questão clínica. Os casos confirmados pelo PÚBLICO, no local, tiveram resultados negativos. O que Gonçalo Órfão contrapõe é que, se forem positivos ou em caso de dúvida, há um “acompanhamento” da situação, no sentido de ser “referenciado”, por exemplo, ao médico da pessoa.

"Pessoas não devem tomar iniciativa de testagem sem prescrição médica"

O que a circular informativa conjunta, da DGS, do Infarmed e do INSA, sobre a operacionalização da utilização dos testes rápidos de antigénio, de 13 de Novembro, diz é que a realização dos testes rápidos de antigénio “requer prescrição e acompanhamento médico”, sendo que, “em contexto da investigação de surtos, sob coordenação das autoridades de saúde, a prescrição individualizada poderá ser dispensada”. Também a directora-geral da Saúde, Graça Freitas, já disse, em conferência de imprensa, que as “pessoas não devem tomar iniciativa de testagem sem prescrição médica”. Mas, como o PÚBLICO noticiou, aquela é uma condição da circular que muito poucos cumprem, inclusive algumas das maiores redes de laboratórios privados, como a Unilabs (mesmo para os exames moleculares, conhecidos como PCR).

Para Francisco George, no entanto, a “circular destina-se a impedir que os testes sejam feitos desordenadamente, em farmácias e em instituições sem acreditação de saúde, por exemplo, porque têm de obedecer a regras que a Cruz Vermelha respeita”. E sublinha que os resultados dos testes feitos são registados por esta instituição – começou por efectuar o registo relativo a estes testes no SINAVEmed (os positivos) e, depois, no SINAVElab (os positivos e negativos). “Defendemos a regulação. O teste à covid, por si, não é um diagnóstico, precisa de validação médica, o diagnóstico é clínico. Agora, perante uma pandemia, há uma gestão de saúde pública, em que temos de assumir que, perante um resultado positivo, aquela pessoa deverá estar doente”, afirma Francisco George.

Apesar do que está inscrito na circular, Gonçalo Órfão insiste: “Todo o programa da Cruz Vermelha tem supervisão médica. Temos a certeza de que estamos a desempenhar as melhores práticas internacionais. Queremos ajudar a população, e vamos continuar fazê-lo.”

A Cruz Vermelha Portuguesa já tem cerca de 16 postos fixos e 15 equipas móveis para fazer diferentes testes. E já fez, desde o início da pandemia, mais de 30 mil testes moleculares (RT-PCR) e mais de 13 mil testes rápidos de antigénio, segundo dados de um comunicado da instituição enviado a 11 de Novembro. Se os testes moleculares podiam ser feitos a nível privado ou pelo SNS, já os rápidos antigénio só a partir de 9 de Novembro, quando a norma da DGS que regulamenta a utilização dos diferentes tipos de testes entrou em vigor, é que estão abrangidos pelo sistema público. Isto significa que os testes rápidos antigénio contabilizados pela Cruz Vermelha até 11 de Novembro terão sido feitos a nível privado, ou seja, sem terem tido necessariamente prescrição médica prévia.

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