As hortas comunitárias de Cascais são estrelas em festival internacional de alimentação

Projecto que aproveitou áreas municipais de Cascais para a produção de alimentos biológicos é o único convidado português no FRU.TO, organizado pelo chef Alex Atala e que decorre online esta semana. Terras de Cascais aposta agora no trabalho com chefs e no vinho de Carcavelos.

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O festival Fruto, organizado pelo chef brasileiro Alex Atala e que este ano, por causa da pandemia, tem transmissão directa online – nos próximos dias 19 e 20 – dá palco ao alguns dos mais relevantes projectos na área da sustentabilidade, da preservação da biodiversidade e de uma alimentação que respeite o ambiente e o planeta, ajudando a ligar pessoas com preocupações semelhantes por todo o mundo.

Na edição de 2020 do FRU.TO, que inaugura uma parceria com o Basque Culinary Center, o único projecto português que será apresentado este ano chama-se Terras de Cascais (com transmissão no dia 20 às 12h30), é uma iniciativa do município de Cascais, através da empresa Cascais Ambiente, e já colocou 550 pessoas a trabalhar em hortas biológicas, despertando um interesse tão grande que há outras 1400 numa lista de espera.

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Desde que foi criada a primeira horta, em 2009, conta Luís Capão, responsável da Cascais Ambiente, que ficou evidente “não podíamos voltar atrás e tínhamos um problema”. Era, no entanto, um problema bom porque nascia do sucesso da iniciativa e provava como ela tinha vindo responder a uma necessidade sentida pela comunidade.

Hoje, segundo Luís Capão, nas 26 hortas com talhões distribuídos pelas tais 550 pessoas, “estão representadas todas as classes sociais”. Isto criou uma dinâmica nova, e novas ligações entre as comunidades de Cascais, ao mesmo tempo que garante a protecção de áreas verdes que, de outra forma, poderiam, mais cedo ou mais tarde, vir a ser ocupadas por novas construções.

“São áreas municipais nas quais as hortas passaram a ocupar um espaço que nós tínhamos que limpar regularmente, tirar as ervas, gastar gasóleo e recursos em terrenos que não serviam para nada”, explica Luís Capão. “Quando olhamos para o Plano Director Municipal (PDM) vemos a estrutura ecológica, as linhas de água, os corredores ecológicos, e no meio vão sobrando terrenos que à partida não têm destino, estão expectantes.”

É neles que têm vindo a surgir as hortas – estão previstas mais três até ao fim do actual mandado municipal, o que “permitirá chegar aos 600 hortelãos”. Para isso, a Câmara tem vindo a adquirir terrenos e a fazer permutas, sabendo, no entanto, que de cada vez que são atribuídos novos talhões (com uma lógica de 30% para quem vive na proximidade da horta e o restante para quem está à espera há mais tempo), “a lista de pedidos aumenta”. O tempo médio de espera é entre quatro e cinco anos.

A partir da horta inicial no Bosque dos Gaios, o projecto foi crescendo: hortas comunitárias, hortas nas escolas, outras ligadas aos centros de dia, apoio técnico para quem quiser ter uma horta em casa, além das duas grandes hortas – a do Brejo, em parceria com o Estabelecimento Prisional de Tires (algumas das reclusas trabalham na horta), e a da Quinta do Pisão – cujos produtos se destinam a ser comercializados.

“A Quinta do Pisão era um espaço que estava completamente abandonado, era do Estado, são 380 hectares, onde temos a parte produtiva, de lazer, de paisagem, em que a horta ocupa dois hectares. Todos os dias de manhã pode agarrar no seu carro, ir à horta do Pisão, colhe os seus produtos, pesa e paga”, explica Luís Capão.

“Quando criámos a nossa visão da horta do Pisão, íamos a bancos de imagens para termos imagens de pessoas numa horta a colher em família”, recorda. “Hoje em dia vamos ao Pisão e já não é banco de imagens, é a realidade.”

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Luís Capão da Cascais Ambiente dr

O que está a ser desenvolvido agora, com a Chef’s Agency, é outra vertente deste projecto que passa por uma colaboração mais profunda com os chefs de restaurantes locais, para que, no seu trabalho, estes privilegiem os produtos destas hortas.

Para fechar o ciclo, os produtos que não são vendidos são doados à Rede Social de Cascais. “Temos um projecto chamado Couves Solidárias em que damos as plantas para que os hortelãos as produzem para serem doadas à Rede Social.”

A par deste projecto das hortas, a Terras de Cascais começou mais recentemente a apostar também na recuperação da vinha, e do famoso vinho de Carcavelos. “Temos a noção de que a nossa geração tem que fazer alguma coisa em relação ao vinho”, afirma o responsável da Cascais Ambiente. “Desde 2016 que não há registos de vinho de Carcavelos em Carcavelos. Achamos que não podemos deixar que isto continue a acontecer. Oeiras tem feito um trabalho fora de série, aguentou esse património, e Cascais está a ver as suas vinhas privadas cada vez mais abandonadas.”

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O que a Câmara decidiu fazer, perante este cenário, foi comprar o Mosteiro de Santa Maria do Mar, com quase três hectares de vinha de Carcavelos, um local onde “havia um grande interesse em fazer um projecto imobiliário”. A vinha existente veio a revelar-se “cheia de problemas” pelo que foi necessário arrancá-la e plantar uma nova.

“Na próxima vindima já contamos ter uma produção considerável de uva com a qual iremos fazer a primeira produção mais a sério, juntando estas às uvas das vinhas comunitárias.” E assim, com “uma grande vindima comunitária” se espera fazer renascer o vinho de Carcavelos com a marca de Cascais, provando que não houve interesses especulativos que pusessem em causa este património.

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