Será a castração química abjeta?

A “abjeção” da castração química – epíteto usado em opinião publicada neste jornal – foi sufragada e implementada em Países como o Reino Unido, Canadá, Coreia do Sul, França, Israel, Suécia, EUA, entre muitos outros. Alguns dos governos que a aplicaram são de esquerda, outros são de direita. Mas o que os une é a aplicação de ciência e leis que melhor salvaguardam o bem-estar dos seus cidadãos.

Antes de exprimir a minha opinião, queria deixar bem claro que esta posição é apartidária, sem qualquer interesse pessoal ou politico (que nem poderia ter por dever de ofício).

Por outro lado, queria deixar bem claro que me considero um humanista, defensor intransigente dos direitos humanos e da nossa Lei fundamental.

Dito isto, antes de outros desenvolvimentos, será conveniente deixar bem claro uma diferença fundamental e que muitas vezes vejo confundida na opinião pública e publicada.

Existem duas formas de castrar: uma em que se amputam os testículos, não permitindo que alguém volte a ter uma ereção para sempre (chamada de castração física ou cirúrgica), e uma em que se administra uma substância hormonal que impede que alguém possa ter uma ereção durante um período de tempo limitado (chamada de castração química).

Feita esta distinção, quero deixar bem claro que sou terminantemente contra a chamada castração física ou cirúrgica. Além disso, caso se ponderasse a aplicação de uma pena de castração física, seria claramente inconstitucional e violadora dos mais elementares direitos humanos protegidos pelo direito internacional.

Posto isto, iremos então debruçar-nos na chamada castração química.

Como já referi, trata-se de administrar uma injeção, com uma substancia hormonal, que visa impedir que alguém possa ter uma ereção durante um período limitado de tempo. Após essa substância deixar de produzir efeito, essa pessoa voltará a ter uma vida normal.

Ao longo de muitos anos, dediquei-me a estudar esta temática de forma aprofundada, tendo mesmo sido tema de dissertação. Realizei um estudo comparado, tendo analisado ao pormenor variadíssimos sistemas jurídicos onde é aplicada a chamada castração química.

Além disso, fiz uma análise da conformidade da aplicação da chamada castração química com os diplomas internacionais que vinculam esses Estados, bem como Portugal, tendo ainda verificado se tais leis violariam a Constituição desses países.

As diferentes instâncias internacionais, bem como os tribunais superiores desses países, em nenhum momento consideraram a castração química como um tratamento desumano ou degradante, nem consideraram que violariam as suas Leis fundamentais.

Por fim, estudei os vários estudos científicos que demonstram a eficácia de tal tratamento (publicados em publicações cientificas de referência internacional), onde tais cientistas (essencialmente médicos) afirmam de forma clara que tal tratamento é eficaz para os agressores sexuais. Acrescento ainda que a principal organização internacional, composta por médicos, juristas, psiquiatras, psicólogos, etc.) que se dedica ao estudo do tratamento dos agressores sexuais defende esta terapia como uma das mais eficazes. Trata-se, em português, da Associação para o Tratamento dos Agressores Sexuais.

Ora, existem vários aspetos a ser tidos em conta para que este tratamento seja eficaz.

Em primeiro lugar, é fundamental que exista um consentimento informado do visado. Desde logo, porque a adesão ao tratamento por parte do visado é o primeiro passo para a cura e, por outro lado, é a única forma de tal tratamento não violar a nossa Constituição. Como se trata de uma ingerência no corpo da pessoa, mesmo tendo fins terapêuticos, tal consentimento afasta qualquer especulação de eventual inconstitucionalidade.

Por outro lado, é fundamental que este tratamento seja sempre acompanhado de terapia cognitivo comportamental. Como facilmente se entende, o problema do agressor sexual é na cabeça e apenas a terapia cognitivo comportamental poderá verdadeiramente curar o agressor. Contudo, numa fase inicial do tratamento, em que a terapia ainda não está a produzir o efeito pretendido, é fundamental que se controle os impulsos do agressor e apenas a castração química (temporária por natureza) consegue alcançar esse efeito.

É ainda necessário que exista um acompanhamento médico do visado. Como é sabido, a chamada castração química poderá trazer alguns efeitos secundários (como qualquer outro medicamento). Existem dois efeitos secundários (tal como consta da bula desses medicamentos – também comercializados em Portugal) que poderão ser mais severos: um é o provocar impotência temporária (do ponto de vista médico é um efeito secundário; contudo, aqui é o pretendido), o outro é a possibilidade de provocar perda de densidade óssea (por isso mesmo, é internacionalmente recomendado que se administre cálcio e vitamina D ao mesmo tempo que o visado está em tratamento hormonal).

Havendo esse acompanhamento médico, fica assegurado o bem-estar e saúde do visado, podendo levar à interrupção do tratamento (no limite), caso algum efeito secundário mais severo se verificar.

Muito mais haveria a dizer quanto à chamada castração química, mas num artigo de opinião não teremos espaço para explicar que, por exemplo, é mais barato para o Estado tratar os agressores sexuais que mandar prender, como alguns estudos demonstram, e muitos outros fatores que deveriam ser tidos em conta para se perceber esta terapia.

Com tudo o que acabei de referir, sendo a castração química aplicada nos termos suprarreferidos, por um período limitado de tempo (estudos internacionais referem que deverá ter uma duração de dois anos ou menos de acordo com as necessidades do visado), questiono: onde é que este tratamento é abjeto?

Se queremos falar de coisas verdadeiramente abjetas, vamos falar da proteção das vítimas dos agressores sexuais.

Como escrevi em tempos, Portugal vai adaptando a nossa legislação aos compromissos internacionais a que nos vinculamos nesta matéria a conta gotas e, enquanto isso, as vítimas são diárias… são aquelas que todos os dias fazem abrir um inquérito que vejo em cima da minha secretária. São apenas folhas, nomes, moradas e factos… mas, para mim, são crianças e mulheres que têm de ser protegidas!

Em Portugal, não temos muitos dados quanto à reincidência deste tipo de crimes, mas empiricamente posso afirmar que a taxa é elevadíssima, porque os mesmos arguidos aparecem-me muitas vezes em inquéritos. Por outro lado, estudos internacionais dizem que a taxa de reincidência neste tipo de crimes ronda os 75%!

Tendo em conta a elevadíssima probabilidade de um agressor sexual voltar a cometer o mesmo crime, peritos internacionais procuraram encontrar um método que resolvesse esta problemática. Assim, vários estudos demonstram que a melhor forma de evitar que um agressor sexual volte a cometer este tipo de crime é usando-se a chamada castração química com terapia cognitivo comportamental. Tais estudos demonstram que a taxa de reincidência, usando-se este tratamento, é reduzida para 2%. Reduzir de 75% para 2% não poderá ser pura e simplesmente ignorado!

Com isto, fica claro que tratamos os agressores sexuais que, após o tratamento, poderão ter uma vida normal (o nosso Código Penal pretende, além do mais, a ressocialização) e, acima de tudo, evitamos que existam mais vítimas deste tipo de crime, pelo menos nas proporções que agora existem.

Com tudo isto, pretendia deixar um apelo. Venha a proposta de onde vier (refiro, desde já, que a proposta do partido Chega deixa muito a desejar, para não usar termo mais forte…), teremos de uma vez por todas de nos deixar de “politiquices” e fazer verdadeira política, tomando as melhores opções, de acordo com as legis artis e os melhores especialistas na matéria.

Acima de tudo, o tema merece ser debatido de forma séria, sem que seja visto como arma de arremesso político. As nossas crianças e mulheres merecem isto!

Termino dizendo que a “abjeção” da castração química – epíteto usado em opinião publicada neste jornal – foi sufragada e implementada em Países como o Reino Unido, Canadá, Coreia do Sul, França, Israel, Suécia, EUA, entre muitos outros. Alguns dos governos que a aplicaram são de esquerda, outros são de direita. Mas o que os une é a aplicação de ciência e leis que melhor salvaguardam o bem-estar dos seus cidadãos. Q.E.D.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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