O que tem a “Dory” a ver com o PSD?

A democracia contém a sua própria “tragédia” e por isso mesmo todos aqueles que a querem matar devem ser integrados no debate democrático.

Lembram-se da “Dory”? O peixinho simpático daquele filme infantil sobre o igualmente peixinho simpático chamado “Nemo”? “Dory” sofria da perda de memória e tornara-se incapaz de reter nova informação. Por isso mesmo, por falta de memória, “Dory” repetia sempre as mesmas frases, sem saber que todos os outros tinham a sua memória bem ativa.

Se existisse um síndrome idêntico na política, seria fácil proceder ao seu diagnóstico, por exemplo, lembrando ao engenheiro Moreira da Silva aquilo que parece ter esquecido. Tal como a “Dory”.

Num artigo de opinião publicado neste jornal, o diretor-geral de Desenvolvimento e Cooperação da OCDE, elabora a tese do putativo resvalar ideológico do PSD a propósito do entendimento a que se chegou nos Açores para a constituição de uma alternativa de centro-direita à governação socialista dos últimos 24 anos daquele arquipélago.

Já volto ao artigo, mas permitam-me primeiro que partilhe o tema das autárquicas de 2013 e que convoque a memória, a boa memória, devo relembrar, para os desastrosos resultados eleitorais que “o partido do engenheiro Moreira da Silva” alcançou naquele período.

Porque trago este período à coação, aqui e agora? Tão só porque o responsável por aqueles resultados também foi o ex-ministro do Ambiente. Tenho bem presente o seu papel de coordenador autárquico nacional do PSD naquelas eleições. Tenho bem presente a sua incapacidade em gerir, ouvir e decidir.

A perda das câmaras do Porto, Gaia, Coimbra e Sintra tem o seu cunho. Vou repetir: estas derrotas têm a sua marca. Sei bem do que falo. Acompanhei bem o processo, sobretudo o de Sintra, cuja falta de coragem do primeiro responsável pelo processo autárquico em decidir pelo interesse dos sintrenses e do Partido ditou a vitória do Partido Socialista. Ainda hoje, o PSD ressente-se do seu comodismo e da trapalhada do processo naqueles concelhos. Hoje, continuamos a reconstruir aquilo que ficou quase destruído.

Foi um momento de crucial viragem da representação da social-democracia no plano autárquico. O PSD, que sempre fora o partido do municipalismo, do valor do poder local, enquanto motor de transformação social das comunidades e do seu desenvolvimento, viu-se arredado das grandes câmaras municipais e com perda de influência nas áreas metropolitanas.

Nunca vi, ouvi ou li o engenheiro Moreira da Silva com coragem política suficiente para assumir qualquer responsabilidade naqueles resultados. Em bom rigor, apenas o tenho encontrado em textos de opinião aqui e acolá. Talvez os sucessivos cargos de nomeação por onde tem passado o condicionem ou lhe retirem tempo para as questões genuínas do Partido.

Nos últimos tempos, também não o vi a discutir os caminhos do PSD nos congressos que elegeram o Dr. Rui Rio como seu presidente. Não foi a jogo, omitiu-se do debate e não se apresentou como alternativa. Como reserva moral que pretende ser, espera que um dia lhe entreguem o partido numa bandeja.

Lembram-se da “Dory”? O engenheiro Moreira da Silva também, mas deve ter-se esquecido.

Vamos então ao artigo, ao seu conteúdo e à sua exigência na convocação de um congresso extraordinário. Sejamos claros e não embarquemos no populismo do secretário de Estado da Ciência e do Ensino Superior do XV Governo Constitucional, de Durão Barroso. Sim populismo, porque está na moda “malhar” no Dr. Ventura e no seu partido. Quem quer uns momentos de atenção traz o Chega à ribalta. Foi o que fez o então secretário de Estado do Ambiente e Ordenamento do Território do XVI Governo Constitucional. O Dr. Ventura agradece.

Um congresso extraordinário para abordar a deriva ideológica? Mas qual deriva?

O que foi feito nos Açores foi de iniciativa do candidato do PSD ao governo regional, que perante o sinal claro dos açorianos optou por constituir uma base alargada de apoio à constituição de um governo que possibilite uma alternativa. E fê-lo da única maneira que era possível. Envolver todos e com condições, uns participando na governação, outros no apoio parlamentar; estabelecendo critérios rígidos no entendimento de cinco partidos.

E quais as consequências para o PSD nacional e para o Dr. Rui Rio? Sinceramente, nenhumas. Custa-me ver, aborrecem-me, as tentativas de justificação que em catadupa os diferentes dirigentes do partido procuram esgrimir, correndo atrás dos desafios da esquerda e dos poucos militantes do PSD que não foram a votos quando deviam ter ido. Neste aspeto, aliás, subscrevo as palavras do engenheiro Miguel Pinto Luz.

Para terminar, o entendimento regrado com o Chega constitui uma oportunidade de moderação do partido e do seu líder no sistema que ele tanto afirma contestar. O tempo ensina-nos que sempre que as alternativas com discursos inflamados ficam à margem da governação têm tendência para alargar o seu espaço de recrutamento junto dos descontentes.

Vou ser claro: a democracia contém a sua própria “tragédia” e por isso mesmo todos aqueles que a querem matar devem ser integrados no debate democrático. Porque marginalizá-los será dar-lhes mais força. Porque ofendê-los será esconder as suas fraquezas na livre discussão de ideias (e por mais extremistas que sejam devem ser debatidas para assim serem combatidas).

A experiência do dissabor do exercício do poder é sempre uma oportunidade à contenção, mas convém ser um pouco mais responsável que a “Dory”: convém não esquecer e a História está aí, para nos ajudar a compreender o presente aprendendo com o passado.

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