A aprendizagem da ausência

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Na escola primária, por alturas do Natal, nos idos de 1975, a minha professora, que era uma comunista empedernida, militante do PCP, mandou-nos escrever uma composição alusiva à quadra. Para despachar o assunto, e talvez para a espicaçar, compus um texto convencional, relatando, em termos bastante pueris, como se de factos históricos se tratasse, o nascimento de Cristo, a fuga para o Egipto e a adoração dos Reis Magos. A minha professora, que sabia que os meus pais não me tinham dado uma educação religiosa, antes pelo contrário, pareceu deliciada. Dois ou três dias depois, quando os meus pais foram à escola, deu-lhes a ler, na minha presença, a minha composição natalícia. A reacção deles, à medida que percorriam as linhas, foi de estupefacção muda e embaraçada. Custava-lhes a crer que eu acreditasse no que escrevera. Mas, se não acreditava, porque o escrevera? Aquele desconforto deles perante a simples eventualidade de uma fé religiosa genuína marcou-me profundamente. Eles pareceram-me perdidos, sem saberem como encarar uma crença no divino, no sobrenatural, que entenderiam, sempre, como uma pulsão no domínio da irracionalidade. Vi-os tão constrangidos que fui em socorro deles, dizendo: “Como não acredito, posso escrever o que quiser, não é verdade?”

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