Covid-19: O tempo das coisas

Continuaremos todos a trabalhar para encontrar a forma justa de aprendermos o necessário com o que experimentámos. E não perderemos mais esta oportunidade para fazer melhor no futuro.

A pandemia tem os seus tempos. Estamos num dos piores momentos deste tremendo desafio. A rede de Saúde Pública satura-se, os hospitais enchem-se, nem todos sobrevivem. Temos que nos defender, e proteger os outros, do vírus agressor. E, ao mesmo tempo, viver, resistir, sentir, agir e imaginar dias melhores que estão para vir.

Percebemos que a pandemia destapou, por vezes cruelmente, crónicas limitações dos nossos recursos, instituições, comportamentos e formas de governação: na capacidade de envolver e comunicar com os cidadãos, de partilhar informação sobre os riscos que nos ameaçam, de responder aos desafios do envelhecimento, de adotar politicas eficazes relativas às profissões de saúde, de analisar, pensar e planear estrategicamente (também em contexto de incerteza), de adotar políticas públicas baseadas no conhecimento científico, de aprender com a experiência.

De tudo isso é preciso guardar boa nota, rigorosamente, sem condescendências ou exageros. Porque, dentro de poucos meses, precisaremos de repensar isso tudo, para regressar ao futuro e não ao passado.

Mas, agora, este é um outro tempo. Não é o tempo de avaliações e juízos precipitados.

A Europa é, hoje, um gigantesco tubo de ensaio: a Alemanha tomou medidas mais severas com uma incidência (novos casos) de covid-19 (média de novos casos em 14 dias, por 100.000 habitantes) de 206 e uma percentagem de testes positivos de 5%. A Irlanda atuou fortemente com uma incidência de 282 e uma positividade de 7%. Ali próximo, a Inglaterra atuou com 495 e 8% e a França com 706 e 13%. Ao lado, a Bélgica fê-lo com 1786 e 25% e um pouco mais longe a República Checa com 1066 e 28%. As comparações são ainda dificultadas pelo facto daquilo que podemos considerar “medidas mais severas” (diferentes formas de confinamento geral e principalmente parcial) não se equivalerem bem de um país para o outro. Mesmo atendendo a essas dificuldades, os contrastes são notáveis. E também não é possível ainda começar a avaliar resultados com alguma segurança.

Neste extraordinário laboratório, Portugal não parece situar-se entre aqueles que “responderam” mais tarde. A verdade é que nas condições atuais, nenhuma pessoa ou instituição têm acesso ao extenso manancial de informação que os governos de todos os países colheram junto das entidades técnico-científicas, sociais, económicas e políticas que lhes foram permitindo responder à pergunta crítica: “que conjunto de medidas são necessárias e quando?”. Sem deixar também de ser verdade que, dependendo da natureza e metodologia desse processo de consulta, é mais ou menos fácil explicitar o racional subjacente a essas decisões.

O tempo agora é de juntar forças e resistir, ganhar tempo e esperança, até uma vacina eficaz, medicamentos de ação mais precoce e testes “que se possam fazer em casa”.

É tempo agora de conseguir chegar junto daqueles que, por uma razão ou outra, não estão ainda a fazer o seu melhor e de apoiar decididamente os que mais profunda e duramente sentem as consequências desta crise.   

É o tempo, também, para a comunicação social ajustar-se a este tempo, minimizando aqueles espaços sem contraditório, onde, com demasiada frequência, à ignorância sobre os temas pandémicos, se juntam juízos precipitados e infundados, que alimentam formas de polarização social que o país dispensa.

Os padrões de atuação das nossas autoridades, nesta fase da pandemia, estão estabelecidos e dificilmente podem ser significativamente alterados, a curto prazo, considerando a extraordinária pressão a que hoje estão sujeitas. Por isso, este é também o tempo de, independentemente dos nossos posicionamentos políticos e de juízos mais ou menos informados sobre o que correu melhor ou pior no passado, dar força e alento aos que nos governam, valorizando com apreço o seu enorme esforço e determinação em servir o país em condições de dificuldade extrema.

Continuaremos todos a trabalhar para encontrar a forma justa de aprendermos o necessário com o que experimentámos. E não perderemos mais esta oportunidade para fazer melhor no futuro.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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