Afegão acusado pela morte do filho, afogado a tentar chegar de barco à Grécia

Requerente de asilo enfrenta até dez anos de prisão se for condenado por “pôr em perigo” a vida do filho. Acusação “é um ataque directo ao direito de asilo”, diz ONG.

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As ilhas gregas acolhem dezenas de milhares de requerentes de asilo LUSA/YANNIS KOLESIDIS

Como tantos afegãos, M., de 25 anos, fugiu do seu país e tentou chegar à Europa. E como tantos requerentes de asilo que arriscam a travessia, viajou com o seu filho. Há pouco mais de uma semana, pai e filho partiram da Turquia numa pequena embarcação onde viajavam 25 pessoas. O bote virou-se já no mar Egeu e o menino de seis anos foi encontrado sem vida, numa zona de difícil acesso da costa da ilha de Samos, junto a uma sobrevivente que estava grávida e já teve o bebé.

A tragédia de M. é comum, mas o que faz da sua história única é ter sido preso logo depois do naufrágio, a 8 de Novembro, e agora ter sido acusado de “pôr em perigo a vida de terceiros”, crime pelo qual pode ser condenado a dez anos de prisão. Actualmente está a cumprir a quarentena obrigatória para todos os requerentes de asilo que chegam à Grécia – Dimitris Choulis, seu advogado, ouvido pelo diário The Guardian, espera que faça em breve o teste à covid-19 e que possa ser libertado para enterrar o filho.

Choulis diz que as autoridades levaram muitas horas a lançar uma missão de resgate e que, pelo que conseguiu apurar, não chegou a ser pedido à Frontex, a agência responsável pelas fronteiras da União Europeia, que participasse no salvamento.

O advogado tem outras inquietações: “A minha maior preocupação é que estas acusações sejam usadas como mais um obstáculo para qualquer requerente de asilo. Se souberem que quando entram num barco com a família podem ser criminalmente acusados por estar a pô-los em perigo, estamos a criar mais obstáculos para quem precisa de vir”.

“Esta acusação é um ataque directo contra o direito de pedir asilo”, afirma Josie Naughton, fundadora da organização humanitária Help Refugees /Choose love, em declarações à AFP. “É escandaloso que um pai possa ser punido por ter procurado a segurança para si e para o seu filho”, sustenta a activista. Para Naughton, “a criminalização de pessoas que procuram uma protecção mostra o fracasso da UE, incapaz de encontrar uma solução para as rotas migratórias perigosas”.

O mesmo defende o Conselho Europeu para os Refugiados e Exilados, uma aliança de 106 organizações não-governamentais, que considera que “esta nova tragédia mostra a necessidade urgente de encontrar vias legais e seguras” para os requerentes de asilo chegarem em segurança à Europa.

Vassilis Kerasiotis, advogado e director da ONG HIAS Grécia, que oferece aconselhamento jurídico a requerentes de asilo, diz que ao Guardian que este caso não tem precedentes. “Nunca vimos acusações criminais contra requerentes de asilo durante a sua entrada no país, mesmo em naufrágios que resultaram em mortes”, afirma. “Já tivemos acusações idênticas em campos de refugiados, mas nunca num ponto de entrada. Isto é claramente uma mudança de abordagem.”

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