O avô Zé ficou uma semana internado

Quando consegui falar com o avô Zé ao telemóvel, fiz de tudo para o animar, e sei que consegui porque me voltou a chamar Pipa. Já estava melhor, por causa do soro e do oxigénio.

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"Gosto muito das pessoas da minha família e vou continuar a cumprir as medidas que nos ensinaram" Rui Oliveira

Querido diário,

Estive uns dias sem te escrever, porque passei por um momento difícil e não tinha vontade de fazer nada.

Ontem vi uma fotografia nas notícias,
de uns avós de mão dada, internados num hospital com covid-19, que foi tirada pela própria neta.
Quase nunca vejo notícias, tu sabes, prefiro o Tik Tok, jogar among us e outras cenas, mas calhou de ver, fiquei comovida e apeteceu-me desabafar contigo.

O meu avô também esteve internado com covid.
Teve muita sorte, porque já foi para casa.
O avô Zé tem 82 anos, e nessa idade eu sei que muitas pessoas podem morrer por causa deste vírus.

Tenho mais avós, tios-avós e gosto muito de todos.
Preocupo-me com a saúde deles mas sei que têm muito cuidado, porque fazem questão de me dizer.
O avô Zé apanhou o vírus porque teve azar,
são coisas que acontecem, e não é só aos outros como acham alguns dos meus colegas do liceu.

Foi um susto muito grande.
Andei triste e preocupada nesses dias,
mas disfarcei porque não queria que os meus pais soubessem.

Quando consegui falar com o avô Zé ao telemóvel, fiz de tudo para o animar, e sei que consegui porque me voltou a chamar Pipa.
Já estava melhor, por causa do soro e do oxigénio.

Antes de ser internado, quando estava com dor no estômago e a vomitar e ninguém sabia o que ele tinha, começou a chamar-me Filipa.
Achei estranho, nunca o tinha feito antes de ficar doente.

Como sabes o meu pai está longe, a trabalhar na Suíça.
Por causa da pandemia, não o vejo há algum tempo.
O último voo foi cancelado, pode ser que consiga vir no Natal, a viagem está marcada, mas eu sei que agora é muito complicado.
Tenho de ter paciência.
O que eu quero mesmo é que ele esteja bem de saúde, porque tem asma e as tensões altas, e isso pode ser perigoso, mas ele tem muito cuidado com o vírus, e toma os medicamentos.

Tenho muitas saudades do meu pai, mas converso muito com ele e vejo-o todos os dias pelo FaceTime.

Achei estranho quando a minha mãe ficou muito tempo a falar baixinho ao telefone com ele sobre o avô Zé, na noite antes de ir para o hospital.
Tentei ouvir a conversa, mas ela fechou a porta.
Depois disse-me que o avô ia ter de fazer uns exames, porque estava doente.
Eu pensava que era cancro, porque o avô já não é novo, não conseguia comer nada e estava a ficar muito magro.

No dia seguinte, a mãe contou-nos que o avô Zé estava internado com covid.
A Mariana começou a chorar. Ela raramente chora e até já anda na faculdade.
O Duarte ficou calado a ouvir e eu também não consegui dizer nada, só senti muito medo, e não compreendi bem como podia ter covid porque o avô não tinha nem febre, nem tosse.
Ouvi a mãe explicar que antes de ser internado para fazer os exames, por não comer praticamente nada e estar muito fraquinho, fizeram o teste e o resultado foi positivo.
Perguntei se não seria engano, a mãe disse que não, o avô Zé estava muito cansado porque tinha uma pneumonia que lhe baixou o oxigénio no sangue, e o vírus nem sempre dá febre e tosse, no caso do avô deu-lhe vómitos e dor no estômago.

Tivemos muito medo, eu e os meus irmãos, mas escondemo-lo para não preocupar mais os pais.
A Mariana disse-me que tinha chorado por ter ficado nervosa, deu-me um abraço dos que me põe logo mais bem-disposta e disse que ia ficar tudo bem, só tínhamos de ser fortes e esperar.

O avô Zé ficou uma semana internado, fez os tratamentos todos, e voltou para casa, ainda fraquinho mas muito melhor.
Fiquei muito contente, claro, voltei a ganhar mais vontade de estudar e de ir para o liceu.

Queria-te dizer também que agora ainda ligo menos aos meus colegas que tiram a máscara na sala durante o intervalo e gozam comigo e com algumas amigas por não a querermos tirar.
As professoras e as auxiliares passam a vida a ralhar com eles, mas mal lhes viram as costas eles continuam com brincadeiras parvas, às vezes até tiram selfies abraçados, põe nos grupos do Insta, e acham muita graça a isso.
Eu não vejo onde está a piada.

E também estou farta de usar máscara o dia todo nas aulas.
Mas gosto muito das pessoas da minha família e vou continuar a cumprir as medidas que nos ensinaram serem eficazes para que a pandemia um dia acabe, porque quero estar de consciência tranquila.

Apesar de saber que azares acontecem,
como com o avô Zé, que acabou por ter sorte ao ficar só uma semana internado no hospital, e graças a Deus, não morreu...
Agora redobrou os cuidados, porque gosta tanto de viver como eu, e não quer voltar a ser infectado.
Mais dia, menos dia, vou-lhe dar um grande abraço e outros mimos. Quando isto tudo passar.

Estas coisas que te contei não acontecem só aos outros, como acham alguns dos meus amigos, não achas?

Não consigo entender porque é que não compreendem uma coisa tão simples, e se com 12 anos já temos mais do que obrigação de perceber, por que é que muitos adultos não percebem também?

Abraço grande e xi,
Pipa


Baseado numa história verídica

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