Covid-19: a guerra é a guerra

O sentimento de mobilização que se vive numa guerra era algo em que deveríamos buscar ensinamentos.

O silêncio do confinamento voltou às grandes cidades. Não há carros, não há vozes nas ruas desertas, as lojas estão fechadas, é Março em Novembro. Já aqui estivemos, continuamos aqui. E aqui voltaremos até que uma vacina consiga definitivamente afastar o vírus.

Bem pode, por desespero uns e por cegueira outros, haver quem pense que até lá estes momentos de paralisação do país são evitáveis. Até agora, um pouco por todo o mundo, não se conhece outra receita e o mais provável é que se repitam. “Estamos a asfixiar a economia e a provocar outros problemas e mesmo outras mortes.” É verdade e as vozes críticas levantam-se cá, como por todo o mundo, mas também é certo que sem conseguirmos inverter a progressão dos internamentos e das mortes não haverá capacidade de se manter o foco na economia, nem resolver o problema da sobrelotação do sistema de saúde. Ninguém no seu perfeito juízo, nenhum Governo certamente, poderá virar a cara a hospitais onde os médicos tenham de vir a decidir quem vão salvar e quem vão deixar morrer.

O cenário é de guerra, e se é verdade que a guerra é a guerra, com o seu incomparável absurdo moral de gente que mata gente em nome de ideias, de religião ou de poder, também não é menos verdade que mais alguma coisa podíamos retirar dessa situação extrema, no combate a este inimigo invisível.

O sentimento de mobilização que se vive numa guerra, de que em tempos excepcionais são necessárias e aceitáveis medidas excepcionais, era algo em que deveríamos buscar ensinamentos. E não só para tolerar o confinamento ou nos empenharmos nas medidas de protecção individuais. Certamente também para exigir a quem nos dita este empenho que aja em conformidade.

Na situação actual, num país em que falta pessoal clínico, a história contada ontem no PÚBLICO dos médicos venezuelanos que não conseguem certificação para exercer a sua profissão é um absurdo. Como é ilógico que tão tardiamente se estejam a reforçar os grupos de rastreamento com estudantes de Medicina ou com as Forças Armadas. A burocracia e as corporações não têm o direito de emperrar a mobilização de meios e o Governo falha redondamente quando não se consegue sobrepor a essa inércia.

A guerra é a guerra e a covid é a covid. Mas em ambas as situações há vidas em risco e um inimigo que não controlamos. O que podemos certamente controlar é o nosso empenho no combate e, nessa frente, ainda se pode fazer muito melhor.

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