Nobreza da madeira portuguesa cativa mercado árabe

O dourado já não é o que era na relação das empresas portuguesas de mobiliário e design com os visitantes da Dubai Design Week. As madeiras nobres ganham crescente protagonismo, tal como o design arrojado, a customização e o serviço ao cliente. Apesar da pandemia, os empresários estão optimistas com os frutos da presença na feira que termina hoje.

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DR/Chandan Sojitra

Omã, país da Península Arábica nas margens do Golfo Pérsico, do Mar Arábico e do Golfo de Omã, é o próximo destino das 15 empresas portuguesas de mobiliário e design presentes na Dubai Design Week 2020, que termina este fim-de-semana naquele emirado.

“Acabo de falar com o ex-cônsul honorário [de Portugal em Omã], que está a organizar tudo”, revela ao PÚBLICO Vítor Poças, presidente da Associação Portuguesa das Indústrias da Madeira e do Mobiliário (AIMMP), explicando que já estão a trabalhar para concretizar “uma mostra de mobiliário e design” com empresas portuguesas naquele país “na primeira quinzena de Dezembro”. O evento também decorrerá sob a “marca-chapéu” Associative Design, criada pela AIMMP em 2016 com o objectivo de promover internacionalmente as marcas e produtos portugueses do sector.

Aproveitando um dos maiores certames internacionais na área do mobiliário e do design – a Dubai Design Week, as empresas portuguesas mostraram o seu know-how e as suas marcas ao longo da última semana na mostra “O Melhor de Portugal”, no Design District, uma área-âncora do Dubai dedicada à promoção e comercialização de projectos e produtos de design. Por ali passaram, “em média, 570 visitantes por dia”, revelou ao PÚBLICO Vítor Poças, notando que só esta sexta-feira (dia 13), fim-de-semana nos países árabes, entraram no espaço português “cerca de 1100 pessoas”.

O calor aperta e ainda não estamos no Verão, sopra uma ligeira brisa, mas, acima de tudo, respira-se inovação, criatividade, arte e design nas ruas do emirado. A Dubai Design Week é tida como principal hub de comercialização de peças de design da Ásia Ocidental, sendo visitado por compradores particulares e profissionais com elevado poder de compra, trato exigente e gostos extravagantes. Entre eles, investidores do imobiliário, arquitectos, decoradores de interiores e designers. Este ano, dadas as restrições inerentes à pandemia de covid-19, decorreu em formato híbrido interior/exterior.

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“As exportações no total do sector para os Emirados Árabes Unidos triplicaram nos últimos oito anos, passando de 8 milhões de euros em 2010 para 27 milhões em 2019”, constata o presidente da AIMMP, Vítor Poças. nelson garrido

Proximidade do Mundial de Futebol 2022

O crescimento das vendas de mobiliário e peças de design português para esta região do mundo justifica o investimento neste certame, onde a AIMMP se faz representar “há vários anos”. A participação é financiada no âmbito do programa Operacional da Competitividade e Internacionalização (Compete), através do Projecto Interwood & Furniture.

“As exportações no total do sector para os Emirados Árabes Unidos triplicaram nos últimos oito anos, passando de 8 milhões de euros em 2010 para 27 milhões em 2019”, constata Vítor Poças. O empresário sublinha, contudo, que, no segmento do mobiliário, colchoaria e iluminação, os números ainda foram melhores: as vendas de produtos portugueses “quintuplicaram o seu valor entre 2010 e 2019”. Passaram de 3,6 milhões de euros para 16,5 milhões.

“A AIMMP sente-se reconfortada por todo o esforço de promoção e participação nos certames internacionais nesta geografia, nomeadamente no Hotel Show Dubai e na Donwntown Design Dubai”, adianta o presidente da Associação, notando que estamos na presença de “um mercado estratégico para o Médio Oriente, tendo em conta que o Dubai está muito centralizado relativamente a outros países que continuam a oferecer um enorme potencial para as empresas portuguesas, como o Qatar, a Índia e a Arábia Saudita”.

Atendendo ao “potencial” destes mercados e à “relativa facilidade” de organizar estes eventos de promoção na região em tempos de pandemia, “devido às altas temperaturas e à menor escalada da covid-19” nesta geografia, a AIMMP “pondera agarrar esta janela de oportunidade para organizar outras mostras” noutros países com interesse potencial no design e mobiliário português.

Em Omã, tudo está a ser preparado para uma mostra na “primeira quinzena de Dezembro”, mas o Qatar também está na calha. “A proximidade do Campeonato do Mundo de Futebol em 2022 e os grandes investimentos realizados nesta região constituem uma grande oportunidade para a venda de produtos da fileira casa” naquele mercado, explica Vítor Poças.

O empresário realça a “europeização dos gostos” dos cidadãos desta região do Médio Oriente. “Sentimos, designadamente no Dubai, operações de hábitos de consumo cada vez mais próximos do design europeu, certamente também por todo o esforço de promoção que tem sido feito nestes mercados e até pela globalização do acesso à informação.”

Mas há outro factor “determinante”, realça o presidente da AIMMP: “A capacidade de resposta das empresas portuguesas, que, pela sua dimensão, são capazes de oferecer soluções personalizadas e à medida, tanto na modalidade chave-na-mão, como com encomendas específicas integradas em grandes projectos. E tudo em prazos perfeitamente aceitáveis para este tipo de clientes, onde se destacam os targets mais elevados, isto é, governantes, empresários e comerciantes.”

Mamoa: “O Dubai é uma maratona, não é um sprint

Já não é pelos dourados que se cativa a alta sociedade neste emirado dos Emirados Árabes Unidos. A Mamoa que o diga. É a primeira vez que esta marca do Porto se mostra no Dubai e, no momento em que conversou como PÚBLICO, ainda não tinha fechado “nenhum negócio”, mas Nuno Ribeiro já ganhou duas certezas: “Apostar aqui é uma maratona, não é um sprint.” Por outro lado, acrescenta, “O que nos diferencia é a qualidade do serviço. Temos design, trabalhamos com excelentes materiais, temos qualidade, mas, se não oferecermos um bom serviço, perdemos os clientes”, frisa o CEO da empresa.

Ciente de que “estar cá é muito importante, porque a proximidade com o comprador faz a diferença”, Nuno Ribeiro acredita que este é “um mercado com muitas oportunidades. Está sempre em crescimento e há que aproveitar” a conjuntura económica do emirado.

“Esta foi a única feira internacional que se realizou desde Março; as outras foram todas canceladas devido à pandemia. E quando a AIMMP nos contactou, aproveitámos. Pareceu-nos uma aposta muito interessante”, explicou ao PÚBLICO Nuno Ribeiro.

A empresa opera com vários tipos de madeira, como a nogueira, carvalho, pau-santo e pau-ferro. No Dubai, apresentou-se com uma mesa em placa MDF e folheado de nogueira natural. E, ao contrário de muitos industriais do sector, não se queixam do acesso à matéria-prima. “Não é difícil encontrar estas madeiras em Portugal”, diz o CEO, embora reconheça que algumas são “importadas” e “mais caras”, pelo que o preço final ao cliente será também “mais alto”.

Nuno Ribeiro não tem dúvida de que “os clientes valorizam cada vez as madeiras naturais”, pela “elevada durabilidade e resistência”, mas também pelo “aspecto, mais claro”.

A Mamoa orgulha-se de operar com “design altamente personalizado” e de “só trabalhar com profissionais”. Vende para vários mercados internacionais, mas a experiência num deles não correu tão bem. “Tínhamos presença forte em Angola, mas caiu. Fechou tudo. Há um ano que não conseguimos fechar um único negócio com Angola”, lamenta o empresário.

Em contrapartida, firmaram recentemente negócios no Senegal e estão de olho na América Latina. “A Colômbia e o México têm potencial”, diz. E estão também a fazer “uma aposta muito grande no Reino Unido e na Suíça”.

“Até meados do próximo ano, vamos ter uma situação semelhante à actual”, acredita o empresário. “Mas, a seguir ao Verão, o consumo vai aumentar de forma exponencial.” É por isso que não baixa os braços. Aliás, já tem planos para 2021 e 2022. “Em Setembro de 2021 a empresa faz 10 anos e temos planeado fazer rebranding e lançar uma nova marca”.

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A mostra “O Melhor de Portugal”, no Design District do Dubai, registou “em média, 570 visitantes por dia”, segundo o presidente da AIMMP. DR/Chandan Sojitra

Casa Achilles: Showroom no Dubai?

Do alto dos seus 115 anos de existência, a Casa Achilles evoluiu, da fundição de metais destinados ao fabrico de ferragens para móveis e portas, para uma nova área de negócio: o mobiliário de luxo. A entrada de um novo accionista em 2014 ditou esta diversificação. Volvidos dois anos, em 2018, a empresa de São João da Madeira já estava a exportar.

O fabrico de “peças extravagantes” tem marcado o seu percurso no segmento do mobiliário. Ricardo Costa, CEO, refere a “encomenda especialmente exigente” que receberam para “uma mesa de madeira com 8 metros de comprimento e só com quatro pernas e que tinha de levar um tampo de mármore de 200 quilos”. O trabalho foi executado com sucesso e o destino foi uma penthouse em Londres.

Também um bastão com 8 quilos em ouro maciço para o Governo do Gana exigiu particular afinco àquela empresa. A encomenda, rodeada de forte secretismo e apertadas medidas de segurança, foi considerada “excepcional”.

Orgulham-se de trabalhar com alguns dos “melhores designers do mundo”, como a australiana Molly Harries, e com algumas das marcas mais prestigiadas do mundo, como a Hermès. “As placas da Hermès para colocar à entrada das lojas são feitas por nós”, refere o empresário.

A Achilles está a mostrar-se no Dubai pela primeira vez. O objectivo está traçado: “Servir de ponte para países como o Iraque.” Ricardo Costa sabe que o país e a respectiva capital, Bagdade, foram fortemente destruídos na guerra e deverão passar em breve por um processo de reconstrução.

A empresa quer “estar na linha da frente” no fornecimento de peças de mobiliário e de ferragens para móveis e para portas para aquele mercado. “Já temos o contacto de um agente e já estamos a fazer o trabalho de casa, porque o Iraque será uma boa oportunidade nos próximos anos”, diz ao PÚBLICO.

Também não vão embora do Dubai de mãos vazias. O empresário fala de “um mercado exigente, competitivo, mas muito consumista”. E explica porquê: “Um cliente até pode encomendar uma peça única, estar disposto a pagar bem por ela, esperar pela entrega seis meses ou um ano e, quando a recebe, passado pouco tempo, troca-a.”

A Achilles leva ainda para Portugal um outro desafio: “Estamos a ultimar o contacto com um agente que pode vir a representar a nossa marca cá”, revela o CEO.

Não fosse a pandemia de covid-19 e a empresa teria “crescido 400%” em 2020. “Tivemos vários contratos adiados, nomeadamente para a Dinamarca”, diz. Na actual conjuntura, conta “fechar o ano com um crescimento de 10% e uma facturação de 600 mil euros”.

O ano 2022 será “marcante”. Têm projectada a abertura de uma nova fábrica, um investimento “de 2,5 milhões de euros”, com criação de 20 postos de trabalho.

Nauu com aparador em carvalho maciço

Tiago Sousa e Mário Picoito criaram há três anos um aparador em carvalho maciço e têm dois números gravados na ponta da língua: o móvel “pesa 250 quilos e é feito com 388 cubos de madeira”. É “todo trabalhado à mão, demora 10 a 12 semanas a estar pronto e decidimos que só serão produzidas 30 peças”. Querem que o cliente “sinta exclusividade” e perceba que está na presença de “uma obra de arte”.

A singularidade da peça é proporcional ao preço – 14 800 euros –, mas é provável que até ao fim da feira o móvel venha a ser vendido. “Já tinha feito muito sucesso em Nova Iorque e também em Londres, e está a gerar muito interesse aqui. Creio que já não vai para Portugal”, disse ao PÚBLICO Tiago Sousa, CEO e designer da marca.

“Queríamos uma madeira que transmitisse robustez e se adequasse ao tratamento mate intenso” que lhe é aplicado, mas que, ao mesmo tempo, a peça “revelasse requinte e desse a ideia de que foi esculpida na madeira”, explica o CEO. “É imponente e chama muito a atenção. É das peças sobre as quais recebemos mais pedidos de informação”, diz. E os potenciais compradores provêm de várias geografias. Desde logo do Dubai, mas, igualmente, “dos Estados Unidos e da Índia”.

O preço “não é um factor impeditivo”, garante Tiago Sousa, notando que os árabes, além de terem poder de compra, “gostam do que é diferente”. Estão, aliás, “a fugir cada vez mais dos dourados e dos lacados”.

O Dubai é uma estreia para a Nauu, mas já expuseram na Arábia Saudita em 2017, para onde já conseguiram exportar, e têm “um cliente regular no Qatar, que nos vai enviando os desenhos e nós executamos em Portugal”.

Com a Expo 2020 Dubai adiada para Outubro de 2021/Março de 2022, Tiago Sousa e Mário Picoito estão confiantes. “O Dubai está constantemente em mutação e estes prédios todos que estão em construção têm de ter mobiliário lá dentro.” Se no início de 2021 “vier uma vacina que atenue os efeitos da pandemia, este mercado vai ser essencial”.

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No stand da Naau, salta à vista um aparador em carvalho maciço, trabalhado à mão. O designer e CEO Tiago Sousa assume querer que o cliente “sinta exclusividade” e perceba estar na presença de “uma obra de arte”. DR/Chandan Sojitra

É uma guitarra portuguesa, com certeza

A icónica guitarra/azulejo da Malabar também veio ao Dubai. Construída integralmente em madeira de pau-santo e nogueira nacional e pintada a tinta acrílica, é uma peça-âncora da empresa.

Leandra Silva lembra que tudo começou com as guitarras portuguesas com design de autor, entre eles o Pritzker português Álvaro Siza Vieira. De lá para cá, evoluíram para o mobiliário, “é o nosso foco”, explica a directora de marketing e comunicação, reconhecendo, embora, “As guitarras são o que nos diferencia”.

Não é a primeira participação em mostras no Dubai. “Este é um mercado em que apostamos bastante. Já participámos há vários anos, na Downtown Dubai, desde a fundação da empresa, em 2014”, diz Leandra Silva. Lembra, aliás, que “é muito importante estar presente, contactar presencialmente com o cliente, pois é aqui que vêm os clientes profissionais desta região”.

A maioria das vendas da Malabar é para “clientes profissionais” e a empresa também está fitada no potencial de vendas que será possível gerar com a Expo Dubai. “Nota-se uma construção constante de edifícios e estamos a acompanhar esse crescimento”, diz a directora de marketing.

Ciente de que a guitarra/azulejo portuguesa se vende “sobretudo como peça de decoração”, Leandra Silva acede a revelar o preço: “2400 euros para clientes particulares”. Os compradores profissionais que visitem a feira e façam encomendas, esses, beneficiam de “um desconto directo de 50%”.

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A icónica guitarra/azulejo, construída em madeira de pau-santo e nogueira nacional e pintada a tinta acrílica, é uma peça-âncora da Malabar. DR/Chandan Sojitra

Defontes exige madeira certificada

A Dubai Design Week 2020 é a segunda presença da Defontes no Dubai. “Já vendemos para cá para um cliente”, revela o gestor Marcelo Fernandes. Acto único, porém: “Como se tratava de um cliente final, satisfez a sua necessidade e não houve continuidade” da relação comercial.

A presença na edição deste ano tem, pois, o objectivo de “estabelecer contactos com clientes profissionais”, embora reconheçam que “é difícil” fechar negócio directo durante uma feira. Ponderam, assim, a “contratação de um agente” neste mercado com vista a divulgar a marca e as peças junto de potenciais compradores.

Na secretária de escritório que a Defontes fez viajar para o Dubai é usado contraplacado folheado de carvalho americano. A empresa de Gaia privilegia as madeiras nobres na construção dos seus móveis.

“Em Portugal temos o pinho, a austrália ou a nogueira, mas, por exemplo, o pinho não é uma madeira nobre, não acrescenta valor na construção de uma peça de mobiliário”. Ou seja, “em termos comerciais, é mais difícil vender um móvel em madeira de pinho”.

A preocupação da Defontes é também usar “madeira certificada, oriunda de florestas certificadas, onde, à medida que cortam [árvores], plantam outras”, frisa o empresário.

Para 2021 há novidades. A empresa deverá lançar uma nova marca, mas “que nada tem que ver com a Defontes”. A ideia é “inovar e introduzir simplicidade”. E ser “mais democrática no preço”, permitindo captar “um target mais jovem, que se tenta reenquadrar nas novas necessidades do quotidiano”, introduzindo “um design que tenta fugir dos elementos tradicionais e vá ao encontro da sobriedade e funcionalidade”.

O Dubai, dizem, é o “mercado certo” para esta aposta. Também como “plataforma para o Médio Oriente”, refere Marcelo Fernandes. “Quer pelo design, quer, sobretudo, pela flexibilidade e adaptação a quaisquer situações”. É “muito importante”, defende, “uma empresa conseguir fazer tanto uma única peça como várias”.

A missão portuguesa de 2020 ao Dubai termina este sábado, 14 de Novembro. Próxima paragem: Omã, sultanato da Península Arábica com 3,9 milhões de habitantes e uma importância estratégica na foz do Golfo Pérsico.


O Público viajou a convite da AIMMP.

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