Ruben Portinha Tinha de Arriscar e arriscou, num disco “sem fogos-de-artifício”

Cantor e compositor, Ruben Portinha tem um segundo disco que reflecte o seu ecletismo e também uma maior maturidade musical. Deu-lhe um nome apropriado: Tinha de Arriscar.

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Ruben Portinha LUÍS MIRANDA

O seu nome é Ruben Portinha e devia apresentar ao vivo este sábado à noite o seu novo álbum, Tinha de Arriscar. Mas nem o sugestivo título do disco o salvou do obrigatório adiamento, imposto pelo estado de emergência devido ao avanço da covid-19. O disco, porém, aí está, e enquanto não é marcada nova data, é dele que Ruben se dispõe a falar. Dele e do seu caminho na música, que começou na infância e se ampliou com os anos.

Natural de Sintra (mas nascido em Cascais, “porque era o hospital mais próximo”), foi aí que Ruben cantou pela primeira vez com público, em 27 de Janeiro de 2007, como recorda ao PÚBLICO agora: “Desenvolvi desde muito pequeno duas paixões em simultâneo e que têm um bocado a ver uma com a outra: a rádio e a música. E tinha esse sonho ou objectivo de, um dia, dar um concerto, nem que fosse só um. E o que aconteceu foi que, em conjunto com o meu pai [José Portinha], que é poeta popular e já tinha editado um livro, tivemos a ideia de fazer aquilo a que chamámos um encontro de novos talentos, na nossa residência na Abrunheira.” E assim fizeram: “Convidámos uma série de artistas, uns que já tinham anos de carreira, como o Sebastião Antunes [Quadrilha, Gaiteiros de Lisboa], e outros como eu, que estavam a dar os primeiros passos. E foi assim que toquei pela primeira vez com público à minha frente.” Tocou já coisas suas, porque tinha começado a compor em 2004, “ainda de forma um bocadinho rudimentar”. “Tive o privilégio enorme de tocar com o Sebastião Antunes, e foi meio-meio: algumas músicas dele, algumas músicas minhas.”

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Da esquerda para a direita: Nuno Barreto, Ricardo Duarte, João Coelho, Ruben Portinha e José Manuel David LUÍS MIRANDA

“Sempre fui muito ecléctico”

De início trabalhava com um amigo, e as letras surgiam primeiro. “Mas desde essa altura até hoje, em termos de processo criativo, quando faço uma canção é normalmente com música e letra em simultâneo.” Foi, aliás, o que sucedeu com o mais recente disco, Tinha de Arriscar, onde Ruben Portinha trabalhou em quinteto: ele na voz, guitarras (acústica e eléctrica) e percussão, José Manuel David nas teclas, Nuno Barreto na guitarra eléctrica, Ricardo Duarte no baixo e João Coelho na bateria, reflectindo na variedade dos temas as suas preferências e influências musicais. “Eu sempre fui muito ecléctico nas minhas buscas musicais, talvez por influência do que tinha lá em casa quando era criança. Tanto consigo ouvir um álbum do Sam The Kid (e gosto muito) como fado, rock, pop, blues ou jazz. E isso acaba por se reflectir na música que faço, porque como gosto de tanta coisa tenho depois alguma dificuldade em espartilhar ou reprimir isso num só género musical. Se bem que este álbum, em relação ao primeiro, é mais centrado em dois ou três géneros.”

O álbum anterior, Realidade, que marcou a sua estreia discográfica, é de 2017. E pelo caminho Ruben foi-se cruzando, em palco ou em estúdio, com nomes em destaque na música portuguesa como Ana Laíns, Carlos Mendes, Fernando Tordo, Jorge Palma, José Cid, Luís Represas, Maze ou Rogério Charraz. Mas com Tinha de Arriscar deu um salto: “Houve aliás vários ‘saltos’, o próprio título do álbum diz isso: foi um arriscar em várias situações. Este álbum distancia-se do primeiro desde a qualidade da captação à mistura, à masterização, no sentido mais técnico, mas também em termos de composição, porque nós vamos evoluindo, crescendo, vivendo outras coisas. Há uns anos, se fosse preciso, eu escrevia uma canção, letra e música, num quarto de hora. Hoje sou muito mais exigente comigo mesmo e nem sempre o que faço me satisfaz. Prefiro deixar que as músicas fiquem mais tempo a ganhar forma, e a maturar, do que me precipitar. E este disco reflecte esse amadurecimento, embora tenha alguns temas que já vinham de trás.” Como Vou ver se te levo a cantar, Encontro na rua alvoroçada e Complicado és tu.

Mais um passo em frente

Entre as doze canções que compõem o disco, há uma particularmente irónica, Oh não!, caricatura de certos comportamentos actuais (“É a moda da estação, um jeito de parecer bem/ Garantir o quintalinho sem saber de mais ninguém”): “Isso faz parte de uma das minhas facetas enquanto criador de canções. Por norma, sou uma pessoa muito atenta àquilo que se passa à minha volta. E quando tenho coisas que me incomodam, ou que me deixam insatisfeito, gosto de passá-las para a música. Essa canção é um desabafo sobre uma série de coisas que me dão voltas ao estômago, atitudes e posturas que infelizmente são cada vez mais comuns entre nós, seres humanos, músicos, nas mais diversas facetas da nossa vida: o não ter escrúpulos, o pisar quem quer que seja só para chegar mais acima, o olhar só para o ‘eu, eu, eu, eu’, este espírito individualista que temos cada vez mais, estas máquinas em que nos estamos a tornar, onde o que importa é o ter e o parecer. É engraçado que esta música foi a que demorou mais tempo a fazer, nada menos do que cinco anos. Na altura surgiu-me a ideia, surgiram-me algumas frases, a estrutura harmónica e melódica da música e depois deixei aquilo a marinar até que me surgisse o resto e pudesse acabá-la.”

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Ruben Portinha em estúdio LUÍS MIRANDA

Ao avaliar o álbum no seu todo, Ruben Portinha encara-o quase como uma declaração de princípios: “Primeiro, quis dizer a mim próprio: continua, que este é o teu caminho. E sendo um caminho longo e difícil, sobretudo para quem não começa já lá em cima, será também trabalhoso, e este disco é mais um passo em frente. Mas quero também dizer que podem contar comigo para continuar a transmitir emoções e sensações em linguagem musical, porque o arriscar, o não virar a cara à luta, é uma coisa que me caracteriza enquanto músico e enquanto cidadão. Por isso estou aqui, e aquilo que tenho para apresentar faço-o com verdade, sem fogos-de-artifício.”

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