Há hospitais sem médico residente à noite para assistir internados com covid-19

É o caso dos hospitais de Penafiel e de Amarante. Se um doente precisar de assistência à noite chama-se um médico das urgências. No Santo António, no Porto, há um especialista e um interno à noite para assistir 130 doentes covid-19, e em Gaia uma equipa semelhante para quase cem. Muitos médicos assinaram declarações de escusa de responsabilidades

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Paulo Pimenta

Há hospitais sem um único médico em permanência à noite para assistir dezenas ou até mais de uma centena de doentes internados com covid-19. É o caso do hospital de Penafiel onde estão actualmente cerca de 130 pessoas internadas com o novo coronavírus em cinco enfermarias. Se um destes pacientes precisar de assistência durante a noite é chamado um médico da urgência, um serviço que em Penafiel chegou a atender, durante esta segunda vaga da pandemia, perto de 800 doentes num só dia. 

Também o hospital de Amarante, onde estão internados neste momento mais de 50 doentes com covid-19, utiliza o mesmo sistema, uma prática que já existia antes da pandemia para os internamentos habituais. No entanto, vários médicos ouvidos pelo PÚBLICO realçam que há uma percentagem de doentes com covid-19 que descompensa de forma rápida, o que obriga a uma intervenção célere. Além disso, face à enorme pressão sobre os cuidados intensivos — onde os doentes estão ventilados de forma mecânica e monitorizados em vários parâmetros, os chamados cuidados de nível três —, muitas destas enfermarias acabam por acolher não só os doentes com necessidade de cuidados de nível um, como é habitual, mas também os de nível dois, pacientes mais graves que deveriam estar monitorizados nos chamados cuidados intermédios.

O facto de ser necessário usar diversos equipamentos de protecção individual para prestar assistência a um doente com covid-19 torna tudo mais complicado e mais demorado, já que se um médico tiver que prestar cuidados em diferentes enfermarias tem que se equipar, desequipar e voltar a equipar. Tal complica-se mais se as enfermarias estiverem em pisos ou edifícios distintos.

Por isso, tem havido médicos que, estando em hospitais onde existe um especialista e um interno em permanência durante a noite para acompanhar quase 100 doentes com covid-19, entregaram à administração declarações a isentarem-se de responsabilidades por considerarem que estão a trabalhar sem as condições adequadas. Isso mesmo aconteceu no hospital de Gaia, onde cerca de uma dezena de pneumologistas que estão a assegurar a assistência nocturna dos doentes com covid-19, distribuídos por três pisos diferentes num mesmo edifício, assinaram estas declarações.

A situação de Gaia levou o bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, a interpelar a administração para o facto de “a execução de tal ordem ser susceptível de representar um risco acrescido para a saúde dos doentes, e, por certo, importa para estes médicos a assunção da responsabilidade de vigilância e prestação de cuidados a doentes, cujo quadro clínico é instável, e como sabemos, com hipóteses elevadas de agravamento súbito e de descompensação”, citou o Sindicato Independente dos Médicos numa nota divulgada no site. 

A administração do hospital de Gaia garante que esta situação “não coloca em causa a segurança dos doentes internados”, sublinhando que existe uma equipa de emergência interna, que pode prestar apoio se dois doentes precisarem de assistência em simultâneo.

No hospital de Santo António, no Porto, o rácio é pior, mas foi criada uma equipa de emergência só para assistir doentes covid. Há neste momento 122 doentes distribuídos por quatro enfermarias, localizadas em dois edifícios, que estão a ser assistidos por um especialista e um interno durante a noite.

Isso mesmo é confirmado ao PÚBLICO pela assessoria de imprensa do Centro Hospitalar Universitário do Porto (CHUP), que refere que nas quatro enfermarias durante a noite estão “residentes” um especialista e um interno. O Santo António alega, no entanto, que assistência nocturna aos doentes com covid-19 internados é feita “em rede” e que além dos residentes, há na urgência diferentes especialistas e uma equipa de emergência interna só para os doentes infectados com o novo coronavírus. “O CHUP duplicou as equipas de emergência permanente, estando uma responsável pela assistência a doentes covid-19”, sublinha o hospital. 

Também no Santo António pelo menos uma dezena de médicos assinaram declarações de escusa de responsabilidade, contestando a forma como está organizada a urgência covid-19 na segunda fase da pandemia. Isto porque, ao contrário do que aconteceu na primeira vaga, agora não há uma equipa dedicada à urgência covid-19, havendo uma rotação muito maior de profissionais, muitos dos quais internos sem a experiência adequada para dar assistência a estes doentes. 

Segundo os diversos médicos ouvidos pelo PÚBLICO, a principal dificuldade de reforçar equipas nos diversos hospitais está relacionada com o facto de se estar a tentar ao máximo manter a actividade programada, o que faz com que haja muito menos opções quer a nível de espaço, quer a nível de recursos humanos.

Por outro lado, na primeira vaga, como o sector privado da saúde esteve quase paralisado muitos profissionais estiveram a trabalhar no Serviço Nacional de Saúde, reforçando as equipas do sector público. O mesmo não acontece agora, já que os hospitais privados continuam a funcionar e as condições oferecidas no público (cerca de 18 euros ilíquidos à hora) não são suficientemente aliciantes para os recrutar, mesmo como prestadores de serviços. 

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