Jerónimo pressiona Governo no OE2021: está a aproximar-se do PCP, mas “ainda estamos longe”

Jerónimo de Sousa admite que o Governo se está a esforçar para responder ao PCP, mas ainda é pouco. Adiar o congresso está fora de questão – é o mesmo que o proibir.

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Rui Gaudencio

No último dia para apresentação de propostas de alteração e quando o PCP ainda espera discutir com o Governo as duas centenas que entregou, Jerónimo de Sousa não desarma: o partido não exclui “nenhuma hipótese” de votação, vai “lutar até ao fim” dando “o tudo por tudo” pelas suas propostas, e só decidirá em frente ao produto final se mantém a abstenção da generalidade ou se vota contra e arrisca o chumbo do documento.

Mesmo estando o Governo a considerar as propostas do PCP como o pagamento do layoff a cem por cento, o subsídio de risco e o reforço do SNS, como noticiou o PÚBLICO, o líder do partido admite que “não é coisa pequena”, mas é pouco em relação à “resposta estrutural necessária, no reforço dos serviços públicos, por exemplo na saúde, de imediato”. Jerónimo de Sousa vinca que os comunistas estão a “fazer tudo para que haja uma perspectiva de solução dos problemas”. “A discussão na especialidade prossegue e ainda estamos longe de uma correspondente posição em relação aos problemas estruturais, serviços públicos, direitos, salários”. “A resposta agora tem que ser dada pelo Governo do PS; é preciso que diga ao que vem e faça opções”, vincou.

“Não dizemos ‘não porque não’ ou ‘sim porque sim’. Será em conformidade com os conteúdos concretos, do que sofreu evolução positiva ou negativa, que votaremos”, garantiu Jerónimo de Sousa nesta sexta-feira de manhã em entrevista à rádio Observador. O chumbo não está fora de hipótese e o secretário-geral lembra que num cenário desses se pode, como solução de recurso, gerir o país em duodécimos, e apresentar um novo orçamento.

Tal como está é que não. Porque a proposta que o Governo entregou no Parlamento “não serve para responder aos problemas do país” – nem aos estruturais, quanto mais aos trazidos ou agravados pela pandemia. “Não podemos iludir os portugueses vendendo gato por lebre que estamos perante um orçamento que vai resolver os problemas do país”, salientou. “Não ficamos numa posição meramente expectante. Nada de precipitações nem juízos de valor antecipados, mas o PCP, no quadro da sua independência e autonomia decidirá o sentido de voto sobre o que está em cima da mesa.”

Sobre a viabilização na generalidade quando o Bloco votou contra, Jerónimo não quis fazer comparações, e defendeu: “Não é do nosso feitio desistir dos combates antes de os travar. Era uma proposta de orçamento que numa apreciação global não dava resposta aos problemas nacionais (…) por isso considerámos: então vamos ao debate, trazemos propostas, procuramos soluções e vamos ver qual é o seu acolhimento. E será o resultado do acolhimento ou dão dessas mesmas propostas que decidiremos em relação à posição de voto (…) sempre determinada não por qualquer arranjo político de circunstância mas pelos conteúdos da proposta.”

Governo dá-se melhor com o PCP? Porque “não é catavento

Questionado sobre se o Bloco é mais exigente que o PCP perante o Governo, o secretário-geral admitiu que “o mais fácil era dizer ‘assim, não” e ponto final, parágrafo”, mas não quis falar de “divergências sobre o posicionamento de cada um” porque o Bloco “tomou a posição que entendeu”. Tal como também não quis subscrever a acusação de António Costa de que o Bloco “desertou da esquerda”. “Não faço esse juízo de valor… Foi uma opção do BE recusar a oportunidade e possibilidade de um debate na especialidade.”

Fugindo a responder se assume a responsabilidade de uma crise política de o orçamento chumbar e a comentar o facto de o PCP ser o único apoio de peso que resta ao Governo e de haver uma melhor relação do que com o BE, Jerónimo realçou que o executivo reconhece a “frontalidade e seriedade” das questões e propostas do PCP. “Isso, no mínimo, merece respeito. Não temos uma posição de catavento. Definimos objectivos, apresentamos propostas e o resultado logo se verá. Esse respeito do Governo existe devido ao nosso posicionamento frontal, claro, de uma só palavra.”

Jerónimo de Sousa recusou que a ajuda ao Governo para viabilizar o orçamento possa prejudicar o PCP nas autárquicas, desvalorizou os que “subestimam o partido e consideram que está a morrer devagarinho”. E vincou que o PCP não está a ajudar o PS e o Governo, mas sim o país.

Sobre a situação da direita, o líder comunista considera que o Chega e a Iniciativa Liberal “são dois sucedâneos do PSD e do CDS” e que a evolução do primeiro é um reflexo do que acontece no resto da Europa, com os partidos ditos tradicionais a sofrerem uma erosão. “Pensando nos Açores, e nesse cenário, naturalmente que o Chega volta à barriga da mãe.” Na rearrumação de forças políticas, estes sucedâneos “têm vindo a aproveitar os problemas reais de uma forma proclamatória”.

“O deputado do Chega diz que isto está uma vergonha, depois dizem ‘o homem fala bem, isto é tudo uma vergonha’. Isto é para demonstrar o carácter básico, mas é a esconder a sua agenda. Nos Açores, as coisas hão-de clarificar-se”, apontou, afirmando não ser uma boa notícia que o PSD se junte ao Chega nos Açores para acabar com apoios sociais e aumentar a pobreza no arquipélago. “No plano nacional não quero fazer desenhos antecipados, mas importaria que o PSD se assumisse claramente.”

Jerónimo fez ainda questão de explicar as diferenças entre o acordo da direita e o da esquerda em 2015. “Em termos institucionais podem ser parecidos, mas em termos de conteúdo e para que foram os entendimentos é que residem diferenças: o governo PS minoritário resultou da situação concreta de repor e conquistar direito que tinham sido liquidados pelos quatro anos de governação PSD e CDS, e demos contribuição positiva que levou a avanços e diminuição de desemprego. Enquanto aquilo que está em cima da mesa é uma solução política para retroceder. É uma diferença abissal.”

Apesar das críticas a Ventura e questionado sobre em quem daria indicação de voto num cenário eleitoral em que Marcelo fosse à segunda volta contra o presidente do Chega, Jerónimo esquiva-se: “Não consigo ver esse cenário, talvez esteja bloqueado.”

Congresso vai mesmo realizar-se

A duas semanas do congresso do partido, em Loures, Jerónimo de Sousa considera que a ideia de este não se realizar “é uma proposta inaceitável”. “Não se arrede dessa ideia os comandos constitucionais que determinam o exercício de direitos e liberdades. Não é uma actividade qualquer; estamos a falar de direitos políticos e liberdades que a Constituição consagra. Portanto, em primeiro, respeite-se a Constituição; e em segundo, ninguém vê um congresso que é daqui a duas semanas poder mudar de sítio, isso era o mesmo que proibir.”

O secretário-geral admite, no limite, que “se houvesse uma desgraça no partido, na sua direcção”, teria de ser reconsiderado. “Posso estar a ser optimista, mas penso que não acontecerá.” O partido está empenhado em dar “todas as garantias, como já deu noutros momentos”, como a Festa do Avante! e vários comícios, de organizar o evento com as medidas de segurança sanitárias exigidas. Sobre a imagem de discriminação positiva e o sentimento de injustiça que possa levar a críticas dos portugueses, Jerónimo apontou o dedo aos media. “Cria-se a mistificação, por parte da comunicação social, lança-se o medo, exercita-se o temor e depois criam-se as condições para que a confusão das pessoas aconteça.”

“Deve haver a pedagogia do exercício dos direitos. No momento em que se começarem a limitar os direitos e liberdades, saberemos como começaram; nunca saberemos como acabariam. A valorização dos direitos individual e colectivo que a Constituição consagra devem ser o ponto incontornável.” Esta é a mesma linha usada para criticar o estado de emergência e o recolher obrigatório. “Essa medida serve para quê?”, questionou, insistindo na ideia de que o ponto fulcral é o reforço do SNS.

Sobre o seu futuro como secretário-geral, Jerónimo não admitiu um novo mandato, e insistiu nas ideias que tem repetido há anos: que esse cargo “não vai ser um problema”, que o partido “nunca é prisioneiro de soluções únicas”. “É o comité central que vai decidir. Não posso admitir que seja o escolhido.”

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