Eurodeputados avisam que condicionalidade também se aplica ao fundo de recuperação

Negociações do regulamento do Mecanismo de Recuperação e Resiliência entre Parlamento Europeu e Conselho da UE arrancaram esta sexta-feira. Hungria e Polónia mantêm ameaça de veto.

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Reuters/YVES HERMAN

Os três relatores do Parlamento Europeu que estão a negociar o regulamento do novo Mecanismo de Recuperação e Resiliência com o Conselho da União Europeia insistiram esta sexta-feira que, tal como o dinheiro do próximo quadro financeiro plurianual, também a distribuição dos montantes do fundo de recuperação da crise pelos Estados-membros será condicionada ao respeito pelas normas do Estado de Direito e poderá ser suspensa quando forem detectadas infracções.

“As verbas da recuperação não devem ir para os países que andam a fazer troça dos nossos valores fundamentais”, vincaram Siegfried Muresan, do Partido Popular Europeu; Eider Gardiazábal Rural, dos Socialistas & Democratas, e Dragos Pîslaru, do Renovar Europa — os parlamentares cuja proposta de regulamento para o Mecanismo de Recuperação e Resiliência e respectivo mandato negocial para as reuniões tripartidas foram confirmados pelo plenário.

O aviso dos eurodeputados tinha como destinatários os primeiros-ministros da Hungria e da Polónia, que em cartas enviadas aos dirigentes das instituições europeias ameaçaram vetar a aprovação do orçamento comunitário para 2021/27 e o fundo de recuperação “Próxima Geração UE” por discordarem do enquadramento que foi definido para o novo regime de condicionalidade das transferências financeiras de Bruxelas.

Com uns dias de atraso em relação ao seu congénere húngaro, Viktor Orbán, o primeiro-ministro polaco, Mateusz Morawiecki, também fez chegar uma missiva aos presidentes do Conselho e da Comissão Europeia, a contestar a aplicação deste novo regime tal como está actualmente formulado (uma proposta de compromisso mereceu já a aprovação, por maioria qualificada, dos representantes dos Estados-membros).

Ainda assim, Morawiecki usou uma linguagem mais “branda” do que Orbán para manifestar a sua oposição às propostas em discussão para apoiar o relançamento e transformação da economia europeia. A Polónia é uma das principais beneficiárias do futuro mecanismo da recuperação e resiliência, com um envelope garantido de 23 mil milhões de euros a fundo perdido. Além disso, o país, que foi relativamente poupado quando o novo coronavírus irrompeu no continente, está a enfrentar uma segunda vaga dolorosa e pesada em termos sanitários.

O primeiro-ministro polaco exprimiu as suas reservas à chanceler da Alemanha, que detém a presidência rotativa da UE até ao final do ano. Depois da conversa com Angela Merkel, fontes do executivo diziam-se confiantes de que será possível encontrar um “consenso” que facilite a aprovação do maior pacote financeiro de sempre, em resposta à crise provocada pela pandemia: 1,8 biliões de euros.

O Mecanismo de Recuperação e Resiliência, que é o principal instrumento do fundo de recuperação “Próxima Geração UE” vale 672, 5 mil milhões de euros, dos quais em subvenções e em empréstimos aos Estados-membros. A proposta aprovada pelo Parlamento Europeu não prevê qualquer mexida nos valores globais acertados pelos líderes na cimeira europeia de Julho, nem na proporção entre subvenções e empréstimos ou os critérios de alocação para cada Estado-membro. 

Mas os eurodeputados defendem uma série de alterações no regulamento originalmente proposto pelo executivo comunitário. Na sua proposta, identificam seis prioridades para a distribuição do dinheiro: verde, digital, produtividade e competitividade, coesão social territorial, resiliência institucional e educação e formação profissional. E apontam metas, como por exemplo que 40% das verbas sejam para investimento ligado ao combate às alterações climáticas e promoção da biodiversidade, ou que 7% dos fundos sejam dedicados a medidas para crianças e jovens.

Além da condicionalidade do Estado de Direito, o Parlamento Europeu também defende uma ligação ao Pilar Europeu dos Direitos Sociais. E quer garantir que o dinheiro é utilizado apenas para apoiar reformas e investimentos e não para colmatar as lacunas dos orçamentos nacionais: a mitigação dos efeitos da pandemia não significa que os governos possam recorrer a estas verbas para financiar medidas como cortes nos impostos.

Ao mesmo tempo, a proposta do Parlamento abre a porta à possibilidade de um efeito retroactivo, em que despesas já incorridas no combate à covid-19 possam vir a ser elegíveis para cobertura pelo Mecanismo de Recuperação e Resiliência. As outras alterações previstas são um reforço do montante de pré-financiamento de 10% para 20%, e do alargamento do prazo do mecanismo de três para quatro anos.

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