Decisão que confirma assédio moral sobre Cristina Tavares vai desbloquear restantes acções judiciais

Tribunal Constitucional confirmou prática de assédio moral na corticeira Fernando Couto, que fica agora obrigada a pagar mais de 31 mil euros a Cristina Tavares. Nos tribunais, correm três outras acções, uma das quais poderá determinar alterações na legislação no sentido de autonomizar aquele crime.

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Ao longo do tempo, Cristina Tavares foi sendo apoiada na sua luta contra a entidade patronal pelos representantes sindicais e de diferentes forças políticas Adriano Miranda (arquivo)

É uma decisão determinante para os vários processos que opõem Cristina Tavares e a corticeira Fernando Couto, em Santa Maria da Feira. O Tribunal Constitucional (TC) confirmou a prática de assédio moral por parte da empresa e o pagamento de uma indemnização de 31.110 euros à funcionária, que já foi despedida e reintegrada duas vezes. E a decisão, cujo carimbo data de Julho passado mas que só agora “desceu” aos tribunais de primeira instância, assume particular importância porque “o assédio moral já é dado como assente, nunca mais poderá ser apelado, e isso vai ter uma influência decisiva nos vários outros processos que continuam nos tribunais”, segundo adiantou ao PÚBLICO o advogado dos sindicatos que representam a trabalhadora, Filipe Soares Pereira.

Actualmente, correm ainda em diferentes tribunais três diferentes processos contra a corticeira. Num deles, interposto em Janeiro passado, no Tribunal de Trabalho de Santa Maria da Feira, Cristina Tavares reclama uma indemnização de 80 mil euros, por danos morais sofridos. Independentemente do valor que vier a ser fixado, esta acção, sustenta Filipe Soares Pereira, “já fica ganha, porque ficou assente que houve assédio moral”.

Num outro processo, a funcionária reclama 11 mil euros por causa do segundo despedimento de que foi alvo e que foi igualmente considerado abusivo pelos tribunais. E, noutra frente, está na fase de inquérito, no Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Santa Maria da Feira, uma denúncia assinada conjuntamente pela CGTP e pela Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) pela prática de assédio moral por parte da corticeira. “Esta queixa ou segue para acusação ou é arquivada, e creio que o processo estava mais ou menos à espera da decisão definitiva do Constitucional quanto ao assédio moral”, enquadra o advogado, para quem esta acção penal, se avançar, “vai ter consequências no plano legal, no sentido em que se poderá autonomizar o crime de assédio moral”.

As diferentes batalhas judiciais, no âmbito das quais a corticeira já foi obrigada a pagar várias coimas num valor acumulado próximo de 40 mil euros, arrastam-se desde há vários anos. Quando, ao fim de nove anos de trabalho naquela corticeira, foi chamada a assinar um acordo de rescisão amigável que se sustentava na extinção do seu posto de trabalho, Cristina Tavares, então com 47 anos de idade e um filho a seu cargo, recusou e recorreu para o tribunal. Entre decisões de primeira instância e os recursos que se seguiram, o Tribunal da Relação do Porto, acabou por forçar a corticeira a reintegrá-la, obrigando ainda a empresa a pagar-lhe os meses em que esteve desempregada e três mil euros de indemnização.

Esta reintegração ocorreu em Maio de 2018 e o processo não parou por aí porque Cristina Tavares foi então impedida de reocupar o seu posto de trabalho, ficando antes obrigada a empilhar e a desempilhar os mesmos sacos de cortiça com cinco mil rolhas numa palete. “Chego ao fim de fazer a palete e torno a desmontá-la. E a seguir volto a fazer o mesmo. No final do dia, são cento e muitos sacos. Já não sinto os pulsos porque tenho que os amassar com as mãos”, descreveu então a funcionária, na primeira conferência de imprensa em que participou e na qual atribuiu a tentativa de despedimento ao facto de, por o seu filho que sofre de Asperger ter sido operado, se ter visto obrigada a meter duas baixas médicas com um curto intervalo de tempo. A Fernando Couto foi sempre negando a veracidade de tais acusações, mas as decisões judiciais têm sido sempre favoráveis à funcionária. O PÚBLICO não conseguiu contactar Cristina Tavares. 

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