Ser caloira em plena pandemia

A adaptação que seria já, por si só, difícil em anos ditos normais, tornou-se um pesadelo ainda maior. Longe da família, longe dos amigos e agora longe do mundo lá fora. Hoje seria mais uma típica saída à noite, não fosse a inquietude, ou a pandemia, que nos assola.

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Siora Photography/Unsplash

O relógio marca as 23h, sento-me à secretária e escrevo um pouco sobre como me tenho sentido nos últimos tempos. Talvez antes tenha reflectido, não porque não saiba o que escrever, mas pela possibilidade de me soar ingrato o que escrevo. Pergunto-me: “Não são destas coisas que me esperam a vida toda?” Pois bem, a resposta é imediata, e por isso evidente; no entanto, também tudo isto foge àquilo que é o comum, o suportável.

Confesso que depois de meses infindáveis em casa me passou pela cabeça não concorrer ao ensino superior, fazer o chamado gap year. Todavia, tinha encontrado o meu caminho no último ano do secundário. Às vezes só andamos distraídos. Para onde iriam os sonhos caso a decisão fosse outra? Acredito que cada pessoa tenha o seu tempo, para encontrar a área com a qual se identifica, entenda-se, mas o mesmo não se pode dizer quando a questão é entrar na faculdade. Vivemos numa altura delicada e, em consequência, tudo elevado ao expoente, nomeadamente o desemprego. Todos sabemos ao que pode equivaler o 12.º ano nos dias que correm.

E cá estou eu, no começo da minha licenciatura direccionada para o Jornalismo, o tal sonho que há pouco vos falei. Não tem sido nada fácil, como é óbvio. Nem para mim, nem para ninguém. A adaptação que seria já, por si só, difícil em anos ditos normais, tornou-se um pesadelo ainda maior. Longe da família, longe dos amigos e agora longe do mundo lá fora. Hoje seria mais uma típica saída à noite, não fosse a inquietude, ou a pandemia, que nos assola.

Neste momento, o ensino é misto na faculdade que frequento, o que não é mau de todo; contudo, acaba por prejudicar a produtividade. Levantamo-nos já perto da hora, lavamos a cara, vestimos uma roupa confortável que se assemelhe ao conforto do pijama e abrimos o Zoom. No fim, ainda lutamos contra outro obstáculo — o de não voltar para a cama. No que concerne às máscaras, e já se devem estar a perguntar por que é que ainda não falei delas, é uma azáfama diária. Por cada hora de aula temos dez minutos para apanhar ar, ar que bem podia ser armazenado para aquelas apresentações orais de tirar o fôlego. Os trabalhos de grupo não escaparam a alterações: se outrora eram na biblioteca, hoje são reuniões por videoconferência. A rotina passou a ser resumida a duas coisas: sair de casa para ir para a faculdade e vice-versa.

Falta mencionar a praxe, que passou a ser online. Sempre me causou algum atrito, mas experimentei, a verdade é essa. Experimentei, na esperança de fazer novas amizades, mas há toda uma conduta que não parte só dessa premissa. Acabei por não me identificar e desisti. Porém, aconselho todos a experimentar, pode ser aquilo que tanto procuram no espírito académico e vos salve deste ano que aparenta não ter nada a oferecer.

Tendo em conta todas as dificuldades que mencionei, e ainda que muitos defendam o encerramento das escolas, não posso concordar. As escolas não podem fechar, o ensino é o elevador social e não queremos dar largos passos atrás num caminho que nos custou décadas a conquistar.

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