É por isso que trabalhamos vestidos como astronautas

Gostava que percebessem a sério que estamos todos do mesmo lado: eu, os meus colegas pediatras e médicos de família, que também se dedicam às doenças dos vossos Filhos, e vós pais, ainda que por vezes possa não parecer.

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"Na verdade, os vossos filhos já estão habituados às máscaras, que se tornaram parte integrante da vida deles". Paulo Pimenta

Pais,

Queria falar-vos do que é estar “do lado de cá”, 
nesta altura tão complicada da pandemia.
Não é facil, nem estar, nem tentar explicar.

O “lado de cá”, tem  agora barreiras físicas
que nos separam ainda mais, para além da linguagem médica, que tentamos que seja simples mas nem sempre conseguimos.

Gostava que percebessem a sério que
estamos todos do mesmo lado:
Eu, os meus colegas pediatras e médicos de família, que também se dedicam às doenças dos vossos Filhos,
e vós pais, ainda que por vezes possa não parecer.

Isto por não vos podermos ou não vos sabermos dar a resposta simples e prática, que gostariam de ouvir, quando os vossos filhos estão doentes.
A resposta mágica que resolve tudo, e que quase nunca existe, e agora com a pandemia, ainda menos é possível que exista.

Acima de tudo, estamos como sempre do lado dos vossos filhos,
e das pessoas que eles mais gostam.
Acreditem.

É por isso que agora trabalhamos vestidos como astronautas.

Eu sinto-me uma espécie de monstro plastificado,
e os meus colegas provavelmente também,
é assim que os mais pequenos nos devem ver,
onde muito escondidos estão os olhos dos doutores, e a voz até é igual, para espanto deles.

Os mais velhos percebem tudo, e por dentro, nos seus olhos espelha-se a revolta contra o mundo onde vivem agora,
cheio de proibições e falta de coisas que os faziam sorrir.

Eles, vós, e nós.
Estamos, no fundo, todos fartos.

Mas tem de ser assim,
com uma aparente falta de aconchego
que nos vemos nestes tempos, para poder dentro do que nos é possível como médicos, entender os sintomas que aparecem nos vossos filhos sem os infectar, e vice versa.

Na verdade,
os vossos filhos já estão habituados às máscaras, que se tornaram parte integrante da vida deles.
(É uma realidade que custa, mas tem de ser).
Só os mais pequenitos reagem menos bem ao nosso aspecto de astronautas.

Na verdade, felizmente os vossos filhos são mais resistentes ao vírus da pandemia, e isso devia-nos sossegar um pouco a todos.
Mas, ironicamente não.
Porque por esse facto, podem continuar a frequentar creches e escolas.
Como sempre, mais dia, menos dia regressam doentes, e aí começa o nosso/vosso calvário.

Porque dantes, nós éramos especialistas com muita prática em lidar com a febre, o pingo e a tosse dos vossos filhos.
Quando nos consultavam e falávamos em “virose”, era sinónimo de doença passageira, e ficávamos todos mais descansados.

Agora “virose” implica quase sempre também o novo coronavírus,
responsável pelas vidas de todos nós terem virado do avesso,
e implica quase sempre fazer o teste para o despistar.
Porque o vírus se replicou muito, e está mesmo por todo o lado.

E não existem especialistas com muita prática em lidar com esta virose...
Ninguém tem culpa, mas nenhum de nós diagnostica a infecção por covid-19  “a olho”.
É impossível.

Quando lemos quais os sintomas que se podem associar à covid, em crianças e adolescentes,
são quase todos semelhantes aos das outras viroses.
Não é exagero, é verdade, e em crianças ainda mais do que em adultos, é muito difícil distinguir os sintomas.

Acreditem que é mesmo assim,
e nenhum de nós fica contente por vos desassossegar, ou por não vos ajudar a distinguir o coronavírus dos outros vírus, sem testar.

Nós sabemos o transtorno que a hipótese covid vos cria, tipo pescadinha de rabo na boca,
“e com quem fica o menino, e o que digo na creche, e quando pode voltar, e vou faltar outra vez ao trabalho”.

Para nós, médicos,
os coronavírus que conhecíamos dos livros, eram uns micróbios  bastante  insignificantes que não davam doença grave, e não nos preocupavam.
Ironicamente, este novo coronavírus,
veio alterar por completo a nossa forma de raciocinar clinicamente.

Actualmente, tem mesmo de estar no topo das hipóteses dos milhares de vírus que circulam agora por aí,
porque a pandemia está a tomar proporções descontroladas e todos temos de ajudar, com o nosso contributo.
Porque se, na prática, para os vossos filhos,
são só uns dias de febre, cansaço, falta de apetite, tosse, nariz entupido, dor de garganta e até, por vezes, diarreia, entre outros sintomas, e depois o novo coronavírus deixa de se manifestar clinicamente,
para as outras pessoas, que todos sabemos serem mais vulneráveis, podem dar doença muito grave, e matar.

É a realidade, infelizmente.
E uns dias antes de terem sintomas, os vossos filhos podem ter já infectado os avós.

Não é fácil viver esta realidade.
Nem para nós, nem para vós, pais.

Por isso vos pedimos que o vosso esforço seja ainda maior, no sentido de deixarem de encarar o teste covid como “um bicho de sete cabeças”.
Porque não é.
Eu já fiz, não custa o que se diz por aí.

E já vi tantos meninos a fazerem...
... A reacção é a mesma que fazem quando têm medo de algo estranho e invasivo, e até custa menos que uma vacina.
Choram 20 segundos,
e uns nem choram, ficando orgulhosos depois por se terem portado bem.
Alguns já fizeram tantos testes, que já se habituaram...

Vamos pensar do lado positivo, não vale a pena dramatizar, quando este é o caminho a seguir nos próximos tempos.
E se todos fizermos a nossa parte, mais rapidamente nos livramos da pandemia.
Testar é fundamental, não há volta a dar.
Mentalizarem-se disso.


E logicamente também, como sabem, devem evitar a ida para a creche ou escola mal os vossos filhos fiquem doentes.
É a melhor ajuda que nos podem dar a nós, que estamos a fazer o melhor que podemos pelos vossos filhos, quando ficam doentes.
A nós, a vós, aos vossos filhos, e às pessoas de quem eles gostam tanto, como os avós.

Acreditem nisso, Pais.
Porque é mesmo verdade.
E estamos mesmo todos do mesmo lado.

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