That’s all folks

Num tempo em que o mundo se debate com uma segunda vaga da pandemia do coronavírus, ainda mais violenta que a primeira, o que menos precisávamos era de uma segunda vaga de trumpismo.

Ao fim de uma semana de ansiedade e espera, o mundo respirou de alívio. Donald Trump recebeu guia de marcha da Casa Branca. 

Joe Biden venceu as eleições para a presidência dos Estados Unidos com a maior votação de sempre e eleva ao patamar de vice-presidente a primeira mulher e, mais do que isso, a primeira mulher afro-americana.

Há um ambiente de esperança que foi ganhando terreno à medida que o escrutínio ia chegando ao seu fim, entre um tweet de Trump a reivindicar a vitória folgada e outro em que acusava tudo e todos de fraude eleitoral, terminando com uma conferência de imprensa ridícula e vergonhosa. Nesta última tentou destruir e desacreditar o sistema democrático eleitoral americano e acabou por concretizar um momento inédito na história dos media norte-americanos, ao cancelarem a transmissão em directo de um discurso presidencial. Pouco mais de 35 segundos depois do seu início, por entenderem que Trump acabava de proferir diversas afirmações sem fundamento e completamente falsas, cortaram-lhe literalmente o já bafiento “pio”.

Podia ter terminado o seu mandato de outra forma mais consentânea com o tão importante cargo que ocupou durante quatro anos? Poder até podia! Mas não seria Donald Trump, que nos habituou a um estilo narcisista, auto-centrado, populista e irresponsável de quem fulanizou a função de Presidente dos Estados Unidos da América, que tanto teimou em desunir. Quem nos habituou a quatro anos de tweets e afirmações surreais, quando não irresponsáveis, como se de um elefante desvairado no meio de uma loja de cristais se tratasse, não poderia deixar de marcar, ao seu estilo muito próprio, o fim do seu próprio mandato. Sai por uma porta pequena, apesar dos seus mais de 70 milhões de votos, sem honra nem glória, porque ameaça protelar a decisão da sua derrota à exaustão.

Mas a democracia funcionou, o povo falou, fez-se ouvir, e elegeu claramente um Presidente com um estilo completamente diferente, mais moderado, ideologicamente ao centro, e com tantos anos de experiência política, como o prova o facto de ser o Presidente mais velho eleito em toda a história dos Estados Unidos. Experiência que creio vai ser muito útil na sua missão mais urgente, que é voltar a ter os Estados verdadeiramente Unidos, depois da profunda desunião e confronto em que o país mergulhou acossado por Trump. Como disse Biden no seu discurso de vitória, apesar de ter “orgulho em ser democrata, será Presidente de todos os americanos”, e não vê “estados vermelhos ou estado azuis, mas Estados Unidos” – diz muito do tanto que tem para fazer, e a sua experiência e respeitabilidade permitirão com certeza encontrar pontos comuns entre Democratas e Republicanos.

São boas notícias para o mundo, em particular o regresso esperado dos EUA ao Acordo de Paris e a recuperação das boas relações com a União Europeia. Num tempo em que o mundo se debate com uma segunda vaga da pandemia do coronavírus, ainda mais violenta que a primeira, o que menos precisávamos era de uma segunda vaga de trumpismo. Um e outro são temas que queremos ver desaparecerem da nossa agenda diária. Quanto a Trump, cabia aos norte-americanos erradicá-lo e já o fizeram; já quanto à covid-19, cabe-nos a todos e cada um cumprir as regras de distanciamento, de higiene das mãos permanente e de contribuir positivamente para travar as cadeias de contágio.

Voltámos a ver o país entrar em estado de emergência, porque os números são verdadeiramente assustadores. O SNS está no limite da sua capacidade e, se não fizemos todos a nossa parte, se não travarmos a progressão da epidemia, rapidamente entrará em colapso e arrastará consigo todos os outros doentes de todas as patologias e obrigará a um novo confinamento geral, que ninguém deseja e que seguramente será um golpe fatal para a economia portuguesa, já tão debilitada.

Façamos a nossa parte para travar a covid-19, porque o vírus do trumpismo, esse, já está erradicado. É caso para dizer: o circo acabou – “that’s all folks!”

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