Cruzeiro Seixas (1920-2020): Presidente e Governo despedem-se do “rei Artur”, o “decano dos artistas portugueses”

Notas de pesar das mais altas figuras do Estado recordam vida e obra de uma figura tutelar do surrealismo em Portugal.

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Cruzeiro Seixas em 2013 MANUEL ROBERTO

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, lamentou a morte do “mestre” Cruzeiro Seixas. “Artur do Cruzeiro Seixas, que nos deixou depois de uma vida longa e livre, foi uma figura multímoda da cultura portuguesa. A sua geração, que na década de 1940 aprendeu e transpôs as lições do surrealismo francês, revolucionou o nosso panorama artístico e literário”, lê-se numa nota de pesar na página da Presidência.

Cruzeiro Seixas morreu no domingo aos 99 anos no Hospital Santa Maria, em Lisboa.

Marcelo Rebelo de Sousa considera que nas pinturas, nos desenhos, nas colagens, nos objectos e na produção poética de Cruzeiro Seixas “o mundo reencanta-se: é uma vez mais maravilhoso, insólito, fantástico, enigmático”.“É um vivíssimo corpo em metamorfose, com uma ‘volúpia da vitalidade’ que lhe confere unidade na diversidade, através das décadas e dos diferentes registos plásticos e poéticos”, afirma o Presidente da República.

"O seu olhar já não se dirige para a terra, mas tem os pés assentes nela", 1953, Casco de pacaça, colagem de papel, guache, madeira e objecto do mar. Doação Cruzeiro Seixas, Coleção Fundação Cupertino de Miranda Cortesia Fundação Cupertino de Miranda
"O quotidiano", 1954. Chávena intervencionada. Doação Cruzeiro Seixas, Coleção Fundação Cupertino de Miranda Cortesia Fundação Cupertino de Miranda
"Personagens duma história de amor", 1960, Chave, colagem, esferográfica, guache, osso e porta-chaves sobre cartolina. Doação Cruzeiro Seixas, colecção Fundação Cupertino de Miranda Cortesia Fundação Cupertino de Miranda
"Um anjo das minhas relações", 1967, Barro, colagem e dentes sobre papel. Doação Cruzeiro Seixas, Colecção Fundação Cupertino de Miranda Cortesia Fundação Cupertino de Miranda
Sem título, sem data, Vela, faca e castiçal. Doação Cruzeiro Seixas, colecção Fundação Cupertino de Miranda Cortesia Fundação Cupertino de Miranda
"No dia seguinte ao nosso casamento", 1967, Guache e tinta da China sobre fotografia colada sobre cartão. Doação Cruzeiro Seixas, colecção Fundação Cupertino de Miranda Cortesia Fundação Cupertino de Miranda
"Navegantes especiais (colaboração de Courbet)", 1975, Óleo sobre impressão montada sobre tela. Doação Cruzeiro Seixas, colecção Fundação Cupertino de Miranda Cortesia Fundação Cupertino de Miranda
"J'ai une fleur", 1955, Fragmento de barro e têmpera sobre platex. Doação Cruzeiro Seixas, colecção Fundação Cupertino de Miranda Cortesia Fundação Cupertino de Miranda
Sem título, 1958. Óleo sobre platex. Colecção Fundação Cupertino de Miranda Cortesia Fundação Cupertino de Miranda
"O Poeta", sem data. Guache sobre papel. Ex-colecção Mário Cesariny. Colecção Fundação Cupertino de Miranda Cortesia Fundação Cupertino de Miranda
Cenário para a Companhia de Bailado da Gulbenkian, 1971. Guache sobre papel. Doação Cruzeiro Seixas, Colecção Fundação Cupertino de Miranda Cortesia Fundação Cupertino de Miranda
"Os convidados recordam Gilles de Rais", 1970. Têmpera sobre papel montado sobre plátex. Colecção Fundação Cupertino de Miranda Cortesia Fundação Cupertino de Miranda
Sem título, 2001. Grafite, guache e tinta da China sobre papel. Ex-colecção Cruzeiro Seixas, Colecção Fundação Cupertino de Miranda Cortesia Fundação Cupertino de Miranda
"O mar português", 1952, Gaiola em madeira e búzio. Doação Cruzeiro Seixas, coleção Fundação Cupertino de Miranda Cortesia Fundação Cupertino de Miranda
"A grande refeição", 1972. Tinta da China sobre papel. Doacção Cruzeiro Seixas. Colecção Fundação Cupertino de Miranda Cortesia Fundação Cupertino de Miranda
Auto-retrato, 1975. Colagem e tinta da China sobre papel. Doação Cruzeiro Seixas. Colecção Fundação Cupertino de Miranda Cortesia Fundação Cupertino de Miranda
Diário Não Diário 3. Técnica mista. Colecção Fundação Cupertino de Miranda Cortesia Fundação Cupertino de Miranda
Diário Não Diário 14. Técnica mista. Colecção Fundação Cupertino de Miranda Cortesia Fundação Cupertino de Miranda
"Da multiplicidade do vácuo", 1976, Têmpera sobre papel colado sobre tela. Doação Cruzeiro Seixas, coleção Fundação Cupertino de Miranda Cortesia Fundação Cupertino de Miranda
"Ruínas da cidade futura - Homenagem a Mário de Sá Carneiro", 1987. Tinta da China sobre papel. Doação Cruzeiro Seixas. Colecção Fundação Cupertino de Miranda Cortesia Fundação Cupertino de Miranda
"O Rapto ou o tão amável intruso", 1972. Óleo sobre platex e papel. Colecção Moderna/ Fundação Calouste Gulbenkian
Sem título, 1944. Grafite em papel. Colecção Moderna/ Fundação Calouste Gulbenkian
"L’oppresseur", 1951. Madeira, obus de canhão, torneira, pena de chapéu, colagem, tinta acrílica. Colecção Moderna/Fundação Calouste Gulbekian
"O 3º combate", 1968. Tinta da China, guache e colagem sobre papel. Colecção Moderna/Fundação Calouste Gulbenkian
"Homenagem à realidade", 1972. Tinta da China em papel couché. Coleção Moderna/Fundação Calouste Gulbenkian
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"O seu olhar já não se dirige para a terra, mas tem os pés assentes nela", 1953, Casco de pacaça, colagem de papel, guache, madeira e objecto do mar. Doação Cruzeiro Seixas, Coleção Fundação Cupertino de Miranda Cortesia Fundação Cupertino de Miranda

Para Marcelo Rebelo de Sousa, as obras de Cruzeiro Seixas, “para citar versos seus, ‘sabem ler nos mapas mais secretos/ e de olhos vendados/ o intensíssimo/ amor dos relâmpagos’”. É esse segredo nunca desvendado, esse amor dos relâmpagos, que devemos a Mestre Cruzeiro Seixas”, diz ainda a nota da Presidência da República.

 Já o chefe do Governo, António Costa, considerou na sua conta oficial na rede Twitter que a obra do “rei Artur” continuará a ser “uma inspiração”. O primeiro-ministro lembra ainda que “Artur do Cruzeiro Seixas deu longa vida ao surrealismo português” e que “os seus desenhos e objectos, nascidos da associação livre de elementos inesperados, continuam hoje tão irreverentes como quando foram criados”.

Por seu lado, o presidente da Assembleia da República manifestou a sua tristeza pela morte do artista, numa mensagem enviada à agência Lusa: “O seu desaparecimento, a semanas de completar 100 anos, constitui uma enorme perda para Portugal e para as artes a nível internacional, ou não fosse o traço inconfundível de Cruzeiro Seixas o traço de um dos últimos surrealistas vivos.”

Ferro Rodrigues chama-lhe o “decano dos artistas portugueses” e “o último dos surrealistas”, movimento que integrou com Mário de Cesariny, Carlos Calvet ou Marcelino Vespeira, “e a que foi fiel, na arte e na vida, até ao último dos seus dias”. Recordou que recebeu o artista em 2018 na Assembleia da República, por ocasião da exposição Arte, Resistência e Cidadania, organizada pela Bienal Internacional de Arte de Cerveira nos 40 anos do certame, considerando-o “sem dúvida um dos artistas que mais marcaram a evolução da arte contemporânea em Portugal”.

Tal como o primeiro-ministro, a ministra da Cultura, Graça Fonseca, também lamentou no Twitter a morte de Cruzeiro Seixas, que considerou “sinónimo do património literário e artístico português dos últimos 80 anos”. A ministra recordou Cruzeiro Seixas como um “decano da arte portuguesa” e “expoente do surrealismo europeu”.

“A vida e obra do Mestre Cruzeiro Seixas representam um contributo inegável para a cultura portuguesa, com a força criativa, inventiva e sensível que a sua dimensão artística sempre manifestou e que a cultura portuguesa nunca esquecerá”, pode ler-se também numa nota de pesar enviada às redacções. A ministra da Cultura, recorde-se, entregou ao artista a Medalha de Mérito Cultural no passado dia 14 de Outubro.

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