A “Chega sanitária” nos Açores

Governar é a arte do consenso e do possível e, por isso, PS e PSD têm ambos telhados de vidro. Simplesmente, até ver, o primeiro nunca se aliou a forças anti-democráticas e que põem em causa o Estado de Direito e o nosso modo de vida. É este um balão de ensaio do PSD para uma solução nacional? Claro, só não vê quem não quer.

Factos: existe um partido político que vem alimentando um discurso racista e de ódio, mandando pessoas para os seus países de origem (ainda que vários sejam Portugueses), que defende soluções inconstitucionais como a castração química e até física para condenados por delitos sexuais, o fim dos limites materiais de revisão constitucional que, de entre outros, permitiria acabar com a forma republicana de governo ou a separação e interdependência dos órgãos de soberania, a eliminação de subsídios sociais com base na pertença a uma etnia ou planos especiais de confinamento para essas pessoas. Propositadamente, não caracterizarei estas ideias.

Factos: aquilo que é habitualmente tido por extrema-esquerda em Portugal é representado pelo BE, pelo PCP (o PEV, infelizmente, é uma barriga de aluguer “pseudo-ecologista”) e nenhum deles defende o que está no anterior parágrafo. É certo que propendem para uma maior intervenção do Estado na economia e na sociedade em geral, um controlo da iniciativa privada, contrapesos ao liberalismo, os direitos dos trabalhadores e que lidam com dificuldade com o capitalismo.

Ainda factos: o projecto comunista caiu por si, pelo peso da História: é um belo mito, o mais belo que existe, mas nivela por baixo. O BE é uma confederação de várias esquerdas, de diferentes proveniências e que continua a olhar o capital com desconfiança, agitando bandeiras importantes, mas que, tantas vezes, parecem divorciadas das principais preocupações do país. Diferença fundamental: depois do Verão quente, o PCP nunca quis operar uma ruptura constitucional, nem tão-pouco o BE. Nenhum deles pretende retirar direitos, liberdades e garantias aos cidadãos, mas acrescentar-lhes, com diferenças em matéria da eutanásia e do suicídio assistido.

Mais factos ainda: a solução da dita “geringonça” estranhou-se e depois entranhou-se. Nada existe de anti-democrático nela: quem consegue melhores condições para governar deve fazê-lo. Foi assim com o PS a nível nacional e é assim agora com o PSD nos Açores. A legitimidade é a mesma na constituição da coligação que governará a região autónoma.

Todavia, há uma grande diferença: a das companhias. O PS encontrou forma de se manter no poder com partidos que são democráticos e aquele que agora está na berlinda não o é. Voltemos às companhias: Le Pen, Orbán, Salvini. Gostam destas pessoas e do que elas representam? Se sim, estamos conversados. Estão no vosso direito – pode gostar-se de autocratas, ditadores, racistas, xenófobos, negacionistas. Tal como há cerca de metade dos EUA que ainda aprecia Trump. Se o PSD deveria ter procurado e aceitado o apoio do dito partido nos Açores? Dirão que o PS faria o mesmo com a sua esquerda, mas já vimos que falamos de realidades muito diferentes. Assim, parece mera dedução lógica que o PSD convive com normalidade com as anormalidades que o dito partido representa. Que o PS também já se vendeu ao “deputado limiano”? Tudo certo, mas o sr. era um “menino de coro” comparado com isto; queria melhores condições para Ponte de Lima.

Governar é a arte do consenso e do possível e, por isso, PS e PSD têm ambos telhados de vidro. Simplesmente, até ver, o primeiro nunca se aliou a forças anti-democráticas e que põem em causa o Estado de Direito e o nosso modo de vida. É este um balão de ensaio do PSD para uma solução nacional? Claro, só não vê quem não quer.

Dizem ainda: em vez da “cerca sanitária” quanto a estes partidos, há que integrá-los em soluções governativas, pois assim eles “amaciam” e percebem que uma coisa são bitaites populistas na oposição e outra a dura realidade de governar com os espartilhos cada vez maiores, em especial da UE. Discordo: normalizar o que viola princípios fundamentais, normalizar o discurso do ódio é ser comparticipante do mesmo.

O PSD fez uma opção politicamente legítima, mas civilizacionalmente reprovável. Veremos como reagem os verdadeiros sociais-democratas.

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