João Galamba já avançou com queixa-crime por calúnia

Secretário de Estado da Energia segue passos do ministro da Economia e queixa-se à PGR na sequência da investigação noticiada pela revista Sábado, sobre alegadas suspeitas de corrupção ligadas aos projectos do hidrogénio verde.

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Nuno Ferreira Santos

O secretário de Estado da Energia, João Galamba, apresentou ontem, à Procuradoria-Geral da República (PGR), uma queixa-crime por aquilo que diz ser uma “denúncia caluniosa”.

Segundo a última edição da revista Sábado, Galamba e o ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, estarão a ser investigados pelo Ministério Público (MP) num processo que averigua “indícios de tráfico de influências e de corrupção, entre outros crimes económico-financeiros” e ambos “são suspeitos de favorecimento do consórcio EDP/Galp/REN no milionário projecto do hidrogénio verde para Sines”.

A revista escreve que a investigação criminal terá nascido de “uma denúncia canalizada no ano passado ao MP”. O governante confirmou ao PÚBLICO que ontem, sexta-feira, 6 de Novembro, apresentou queixa à PGR por denúncia caluniosa, “nos mesmos moldes que o ministro Pedro Siza Vieira”, estando disponível para prestar esclarecimentos.

Este sábado, o Ministério do Ambiente e da Acção Climática (MAAC) divulgou precisamente um longo esclarecimento em que o secretário de Estado da Energia reitera desconhecer a existência da investigação noticiada pela Sábado.

Ao PÚBLICO, fonte da Procuradoria-Geral da República (PGR) confirmou a existência de um inquérito a correr no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), ainda sem arguidos constituídos, mas não quis adiantar se está ou não ligado aos projectos de hidrogénio.

No comunicado desta tarde, o MAAC sublinha que, até agora, no desenvolvimento dos projectos do hidrogénio, não houve “qualquer concurso público, adjudicação directa ou financiamento assegurado ou atribuído” e que, por isso, “objectivamente, não poderia ter sido praticado qualquer acto que consubstancie um favorecimento, tráfico de influência ou corrupção”.

O esclarecimento diz que a notícia “lança dúvidas “sobre a transparência do processo de eventual candidatura de Portugal ao Projecto Importante de Interesse Europeu Comum (IPCEI) de Hidrogénio” e, por isso, divulga informação que diz abranger “toda a actuação” de João Galamba na “dinamização do desenvolvimento do processo tendente à candidatura ao IPCEI Hidrogénio”.

Incluindo uma lista das reuniões que este manteve (ou membros do seu gabinete e representantes de entidades que tutela, como a DGEG) com diversas entidades sobre os temas do hidrogénio.

Também revela uma lista que até hoje não havia sido disponibilizada pelo Governo, por ser considerada confidencial: a dos 37 projectos que passaram à segunda fase para serem potenciais integrantes da candidatura nacional ao IPCEI e que estão avaliados em cerca de nove mil milhões de euros.

Dela fazem parte o consórcio constituído pela EDP, Galp, Martifer e Vestas que, segundo a Sábado, está na mira do Ministério Público por suspeitas de favorecimento.

O que é o IPCEI e o que tem a ver com Sines?

A Comissão Europeia abre a porta a que os Estados-membros se candidatem a fundos ao abrigo de um estatuto especial, o IPCEI, que permite aceder simultaneamente a várias fontes de financiamento, em condições preferenciais e com regras menos apertadas em termos de ajudas de Estado, desde que as candidaturas envolvam mais do que um país e que os projectos contribuam para objectivos europeus comuns.

Neste caso, a Comissão Europeia quer receber candidaturas na área do hidrogénio, porque decidiu que esta é uma área estratégica, considerando-a, em simultâneo, uma oportunidade de desenvolvimento económico e de descarbonização. É a Bruxelas que cabe a decisão final sobre a atribuição do selo IPCEI, mas são os diversos Estados que definem o modelo e os integrantes das candidaturas.

O MAAC explica que o projecto de Sines (que é hoje reconhecido como o “projecto-âncora” de Portugal para o hidrogénio, e o centro da eventual candidatura portuguesa ao IPCEI em associação com os Países Baixos, como previsto num memorando de entendimento assinado em Agosto pelos dois Estados) “foi inicialmente apresentado pelo Resilient Group”, do empresário holandês Marc Rechter (com actividade na área da energia solar e a residir em Portugal).

Este projecto “envolveria um conjunto de empresas nacionais e estrangeiras, com quem o Resilient Group estava a trabalhar na sua estruturação técnica”, e “incluía a EDP, Galp e REN”. O pontapé de saída para o dossiê do hidrogénio foi dado a 2 de Julho de 2019, com uma primeira reunião entre um elemento do gabinete de João Galamba e o empresário Marc Rechter.

O projecto, “apresentado em linhas gerais ao Secretário de Estado Adjunto e da Energia, após várias interacções entre o seu Gabinete e a embaixada da Holanda, foi o ponto de partida para o aprofundamento da possibilidade de desenvolvimento de uma actividade industrial de produção e exportação de hidrogénio” no país.

“Papel crucial” da EDP, Galp e REN

A EDP, a Galp e a REN (que no final de Julho anunciaram a constituição de um consórcio, também com a Martifer e a Vestas, para analisar investimentos em hidrogénio em Sines, mas já sem o Resilient Group) “desempenhavam um papel crucial” nesse projecto apresentado por Rechter, refere o esclarecimento divulgado pelo MAAC.

“A EDP porque o projecto se iria desenvolver na Central Termoeléctrica de Sines, cuja desactivação já havia sido anunciada”; a REN “porque é concessionária da Rede Nacional de Transporte de Gás Natural [em que parte do hidrogénio será injectada] e detém a gestão técnica global do Sistema Nacional de Gás Natural”; a Galp porque, “na qualidade de grande consumidor” de hidrogénio produzido a partir do gás na refinaria de Sines, teria “um contributo de relevo para a descarbonização, substituindo parte dos seus consumos de gás por hidrogénio verde”, lê-se.

O projecto apresentado pelo Resilient Group “tinha já esta modelação e estes intervenientes” assegura o MAAC, acrescentando que todos foram depois contactados “para aferir da robustez e viabilidade do projecto e da possibilidade de se promover uma candidatura ao IPCEI”, lançando as bases para uma nova indústria.

Salienta-se ainda que Galamba tomou a “opção” de lançar (em Junho) um convite à manifestação de interesse de outras entidades em investimentos no hidrogénio, que permitiu “trazer muitos outros potenciais participantes na candidatura IPCEI”.

Esta consulta “não constitui uma obrigação legal, interna ou comunitária, e não foi seguida por alguns Estados Membros, que escolheram diretamente as empresas e os projetos que pretendem candidatar ao IPCEI”, garante o Ministério liderado por João Pedro Matos Fernandes.

Audiências e seleccionados

Em todo este processo “foram realizadas várias reuniões, com diversos interessados”. Na lista divulgada pelo gabinete do secretário de Estado sobre audiências relacionadas com o tema do hidrogénio surgem, além das reuniões com o Resilient Group, EDP, Galp e REN, nomes de várias outras empresas, como a Dourogás, Voltalia, Akuo, Prio, Marubeni, Trustenergy e Efacec, entre outras.

João Galamba também divulga a lista dos 37 projectos que poderão vir a integrar a candidatura nacional ao IPCEI, embora sem detalhar o volume de investimentos estimado por cada um.

Além do consórcio H2Sines (EDP, Galp, REN, Martifer, Vestas), estão nesta short list entidades como a Águas de Portugal, Caetano Bus, Prio, Enforce, CP, Bondalti, Akuo, Altri, Navigator e Turbogás (a central a gás da Tapada do Outeiro, detida pela Trustenergy).

Já o projecto do Resilient Group (denominado Green Flamingo), que, entretanto, se separou do trio EDP/Galp/REN, ficou pelo caminho, recebendo parecer desfavorável do comité criado pelo Governo para avaliar as propostas.

Neste momento, “não está definido o modelo final do projecto ou projectos, nem sequer as entidades (empresas) que o integrarão”, salientou ainda o esclarecimento do MAAC.

“Os seleccionados apresentaram informação mais detalhada, a nível técnico e financeiro, que irá permitir definir aqueles que poderão constituir a base formal da candidatura”, que será depois apreciada pela Comissão Europeia.

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