Líder do roubo de Tancos ignora se ministro da Defesa foi mesmo posto a par de tudo

O arguido e mentor do assalto aos paióis, João Paulino, continua a ser ouvido esta quinta-feira no Tribunal de Santarém. Não ilibou ex-governante, mas também não o incriminou.

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Daniel Rocha

O mentor do assalto a Tancos, João Paulino, declarou esta quinta-feira ignorar se o ministro da Defesa, Azeredo Lopes, foi posto a par das negociações destinadas à devolução do material militar que decorreram nos meses a seguir ao roubo, no Verão de 2017, e do perdão total que lhe prometeram os militares em troca disso. 

“Não posso garantir que o ministro tenha acompanhado a devolução, porque nunca estive com ele”, declarou esta quinta-feira à tarde no Tribunal de Santarém, onde está a ser julgado juntamente com outros 22 arguidos. Depois de ter pedido ajuda a um amigo que prestava serviço na GNR para entregar o material de guerra roubado, relatou, foi-lhe confidenciado que as negociações que tinha encetado para a devolver tudo ao Exército eram acompanhadas à distância pelo então ministro da Defesa, Azeredo Lopes. 

Depois de ter retirado cerca de 300 quilos de material militar dos paióis na madrugada de 27 para 28 de Junho de 2017 com a ajuda de apenas um amigo, João Pais, conhecido também por Caveirinha, mantendo um segundo homem nas imediações do recinto em missão de vigilância, João Paulino contou que foi surpreendido nos dias seguintes com uma reacção ao roubo aquém e além fronteiras com que não esperava: "Eu ouvia as opiniões das pessoas nos cafés. Eram muito desagradáveis, muito más”. Ainda pensou em desenvencilhar-se das granadas, morteiros e munições atirando tudo ao rio.

Mas acabou por recorrer a um amigo de infância, o ex-pára-quedista Bruno Ataíde, que se encontrava prestar serviço no núcleo de investigação criminal de Loulé da GNR, para o ajudar na melindrosa missão de restituição. As negociações prolongaram-se por pelo menos três meses. Ao longo de vários encontros o guarda e um superior hierárquico seu, o sargento Lima Santos, foram-no pressionando, mas nunca relevou a localização do material: era a sua salvaguarda, para o que desse e viesse. Primeiro apenas lhes disse que sabia onde estava o material, depois acabou por lhes admitir o seu envolvimento, embora recusando-se sempre a entrar em detalhes. “A certa altura disseram-me: ‘Isto está a ser seguido pelo ministro da Defesa’”. Na altura acreditou, hoje em dia não sabe bem se lhe contaram a verdade: “Não sei, se calhar foi para me transmitirem confiança. Se calhar alguém lhes transmitiu isso a eles, e eles a mim”. 

Azeredo Lopes é arguido neste processo por, alegadamente, ter aceitado a devolução do armamento em troca da impunidade do ex-fuzileiro e dos seus cúmplices, que segundo o Ministério Público são oito e não apenas três. E em Janeiro passado o advogado de João Paulino revelou que as negociações para a entrega tinham decorrido “ao mais alto nível”. Mas afinal o líder do assalto não tem certezas sobre o envolvimento do governante - que, quando o armamento apareceu, enviou uma enigmática mensagem de telemóvel ao deputado Tiago Barbosa Ribeiro: "Eu sabia, mas tive que aguentar calado a porrada que levei. Mas não sabia que ia ser hoje”. Na mesma troca de sms, admite que vai esconder ao Parlamento aquilo que está a contar ao seu interlocutor. Referir-se-ia apenas à encenação da descoberta do material levada a cabo pela Judiciária Militar? Ou também ao perdão alegadamente prometido aos assaltantes em troca da devolução?

A impunidade, contou João Paulino, foi-lhe prometida pelos dois agentes da GNR, embora tenha ficado ciente de que ambos teriam autorização superior para o fazerem. De quem, não lhe terão revelado.”Garantiram-me que não me iria acontecer nada. Podia estar descansado e entregar as armas sem risco nenhum”. Por várias vezes o guarda e o sargento da GNR terão tentado convencê-lo a negociar devolução com militares mais graduados. Mas sempre se furtou a isso: “Insistiram várias vezes comigo para que fosse com eles às instalações da Judiciária Militar, eu é que nunca quis ir”. 

Rezava para não ser preso, contou aos juízes. Dormia mal, entrou em depressão. Ainda por cima começaram a circular notícias de que parte do armamento iria ser vendido à organização terrorista basca ETA. Finalmente, ganhou confiança e preparou a entrega do material, que havia enterrado na quinta que a avó tinha no concelho de Penela. 

Em Outubro de 2017 levou o armamento militar para um terreno na Chamusca, por “vergonha da família”, que não queria ver envolvida neste assunto. E informou o antigo pára-quedista da localização, para que fosse encontrado e devolvido à proveniência: “Dei-lhe um papelinho com indicações. Quando chegassem à Chamusca cortavam à esquerda, até chegarem a uma linha de água. Depois viravam à direita. Fiz umas setinhas”. Com a ajuda de duas pessoas que ainda hoje se recusa a identificar, depositou as coisas no leito de um rio que na altura se encontrava seco. 

A verdade é que não devolveu tudo na altura, mas diz que foi por mero engano. A última parte do material de guerra roubado só a entregou há menos de um mês, pouco antes do arranque do julgamento. “Foi erro meu. Quando voltei ao terreno da minha avó, umas duas ou três semanas depois, reparei que não tinha entregue tudo”, justificou-se. 

Dar o peito às balas 

Só dois ou três dias antes do assalto o ex-fuzileiro diz ter contado aos seus cúmplices qual o quartel que tinha escolhido. Em tribunal, voltou a recordar o medo que sentiu de ser apanhado pelos militares de Tancos naquela noite, perante o risco de lhe aparecer à frente alguém “munido de uma espingarda ou de uma pistola” e o deixar “para ali estendido no chão”. Afinal, “não era o mesmo que ir fazer compras ao supermercado”.

Os dois paióis em que se introduziram estavam carregados de material, mas só conseguiram trazer uma parte ínfima do que lá estava. As caixas fechadas não deixavam adivinhar o conteúdo. “Foi tudo a eito, demorámos umas duas ou três horas”, descreveu. O objectivo era vender tudo no mercado negro e “ganhar algum”. Haviam de descobrir mais tarde que afinal não tinham levado consigo uma única pistola, espingarda ou metralhadora. O mais facilmente vendável eram mesmo as munições. 

Esta quinta-feira, em tribunal, João Paulino deu o peito às balas outra vez, expressando o desejo de os juízes só o condenarem apenas a ele, e não os seus cúmplices: “Se pudesse absolver as outras pessoas, escolhia isso”. 

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