Tratado de Lisboa é “marco” de 2007, mas “desaproximou Europa dos cidadãos”

Para o embaixador, um dos falhanços do Tratado de Lisboa foi acabar com a presidência rotativa do Conselho e estabelecer que, por regra, as reuniões mais importantes são em Bruxelas ou no Luxemburgo.

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Manuel Lobo Antunes com Luís Amado EVR ENRIC VIVES-RUBIO

A assinatura do Tratado de Lisboa foi o “marco” da presidência portuguesa de 2007, mas teve um “falhanço”, porque “desaproximou a Europa dos cidadãos”, assinala o embaixador Manuel Lobo Antunes. Na altura secretário de Estado dos Assuntos Europeus (no XVII Governo constitucional, o primeiro liderado por José Sócrates), Manuel Lobo Antunes considera que “um dos falhanços do Tratado de Lisboa” foi acabar com a presidência rotativa do Conselho e estabelecer que, por regra, as reuniões mais importantes são em Bruxelas ou no Luxemburgo, o que “desaproximou a Europa dos cidadãos, do ponto de vista simbólico”.

No âmbito de uma série de entrevistas realizadas pela Lusa com os principais responsáveis pela coordenação das presidências portuguesas de 1992, 2000 e 2007, o embaixador não tem dúvidas em considerar que a conclusão do processo do Tratado de Lisboa foi o momento “mais marcante” da presidência portuguesa de 2007.

O Tratado tentou “despojar” a ideia de uma Constituição europeia “das suas partes mais ideológicas, mais integracionistas e federalistas”, recorda, reconhecendo que a negociação “foi difícil, porque parte importante dela tinha a ver com questões institucionais”.

Ora, “as questões institucionais (...) são sempre a expressão do poder ou da vontade do poder, ou da forma como o poder é visto pelos Estados-membros, e discutir poder e negociar poder é sempre uma coisa complicada”, frisa.

Esse “exercício difícil” aconteceu em dois tempos: redigir os textos e fazer todo o trabalho jurídico, legal e técnico, e “uma parte mais política”, dedicada à negociação das questões em aberto (número de parlamentares do Parlamento Europeu, ponderação de votos no Conselho, reforma das instituições).

“Vivia-se uma espécie de um momento de euforia e a Constituição pretendia de alguma forma responder a esse estado de espírito. (...) Era uma resposta política a um momento político muito particular e muito favorável e, por outro lado, a resposta a uma necessidade de reforma das instituições e, eventualmente também, de repartição de poder em face da adesão de vários Estados nessa altura”, lembra o actual embaixador de Portugal no Reino Unido.

Na opinião de Manuel Lobo Antunes, não são necessárias “reformas substanciais ou substantivas” ao Tratado de Lisboa, ainda que este possa sempre ser aperfeiçoado.

“Julgo que o Tratado de Lisboa ainda consegue dar resposta às dificuldades ou problemas que vão surgindo e (...) oferece ainda várias soluções que podem ser mais exploradas, por exemplo as cooperações reforçadas, que foi também uma das novidades”, detalha.

“Estar sempre a discutir o futuro da União e a reforma das instituições são exercícios de que eu tenho algumas dúvidas”, confessa, reconhecendo que “é muito difícil de contrariar” esse “desejo reformista” que aparece com alguma regularidade.

“A União Europeia gosta muito... A máquina acha que a questão institucional é importante e está sempre em cima das questões institucionais para ver se é possível reformar isto e reformar aquilo”, aponta, defendendo que se deve “ser prudente nessa vontade”, desde logo porque é preciso “ver se é isso que interessa à opinião pública” e se é por aí que se encontram as “respostas aos problemas que a União atravessa”.

Por exemplo, o reforço do papel dos Parlamentos nacionais, como está no Tratado de Lisboa, ainda não foi devidamente aproveitado, observa.

“Manifestações grandiosas como a Cimeira UE-África também se perderam com o Tratado”, acrescenta o embaixador, recordando o “aspecto cénico e espectacular” daquele que foi um dos pontos altos da presidência de 2007.

“Foi uma cimeira muito difícil de negociar”, desde logo por causa de Robert Mugabe, na altura Presidente do Zimbabué, que estava proibido de viajar para a Europa, mas sem o qual a delegação africana se recusava a negociar. “Correu-se o risco [de trazer Mugabe] e, no final, acho que valeu a pena esse risco. Julgo que nunca mais houve uma [cimeira UE-África] igual”, enaltece.

A presidência portuguesa de 2007 foi ainda a última em que houve “uma festa” em todo o país, porque se espalharam reuniões informais por várias cidades - agora centralizadas sobretudo em Bruxelas.

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