Companheiros: esperança, esperança, esperança

Estamos psicologicamente esgotados. A escola e a faculdade já não parecem os mesmos espaços, não é? E estamos também socialmente desanimados. Os nossos comportamentos mudaram pelas restrições e pelas aflições, tornando-se mais repetitivos e autodestrutivos.

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Nelson Garrido

Dizia e escrevia Zygmunt Bauman, sociólogo e filósofo polaco: “A única coisa de que podemos ter certeza é a incerteza”. O autor nunca esteve tão certo.

Esta é uma carta sobre vós, estudantes, adolescentes e jovens adultos, que vivem tempos tão difíceis, tão estranhos e conturbados. Não pretendo, de forma alguma, eliminar deste quadro global contemporâneo outros grupos sociais. Dos pais aos avós e bisavós, todos têm uma consciente noção da gravidade dos acontecimentos que se têm sucedido desde o início desta pandemia.

Mas foco naquelas três categorias porque me identifico com elas de imediato. Sou um estudante de 20 anos, logo encontro-me entre a adolescência e a juventude. Trata-se, então, de uma questão com uma conotação pessoal e, nesse sentido, sinto uma forte empatia com aquilo que todos os que estudam e se encontram nestas fases das suas vidas estão a passar.

Há outras razões, no entanto, para me dirigir a vocês, a nós, em específico: a minha intuição diz-me que, bem lá no fundo, e mesmo com muitos a não o quererem dizer, nos sentimos abandonados. Sentimo-nos relegados a uma sorte que nos atribuíram por sermos novos, por não termos, em média, problemas de saúde (graves) relacionados com esta nova doença de seu nome covid-19. Portanto, na medida em que somos vistos como saudáveis, esbeltos e fortes, conclui-se que temos todas as capacidades de ultrapassar quaisquer obstáculos desmoralizantes que nos surgem.

Agora vamos à verdade: não é verdade. Todos sabemos claramente que isto não corresponde à realidade, à nossa realidade académica e juvenil. Sim, temos pouca idade e em geral poucas morbilidades; sim, temos instrumentos à nossa disposição, nomeadamente a Internet, de que todos sempre falam, para procurar conhecimento e conteúdos lúdicos. E é devido a isso que deixamos de ser pessoas merecedoras de atenção? Ou, melhor, é por estarmos na posse de algumas características biológicas e ferramentas tecnológicas que as nossas emoções estão menos ao rubro neste cenário de pandemia que dura há largos meses?

Estamos psicologicamente esgotados. A escola e a faculdade já não parecem os mesmos espaços, não é? Assistimos e sentimos na pele a passagem abrupta de um ensino presencial para um ensino à distância, tivemos de nos adaptar e agora estamos todas as semanas numa intermitência entre os dois regimes de aulas, sempre na incerteza sobre se vamos voltar para casa, se a avaliação irá manter-se a mesma, se aguentaremos novas rupturas. E, claro, temos de estar a cada dia a monitorizar se colegas e amigos nossos foram infectados e nós também, numa espécie de hipocondria que aguarda o surgimento dos primeiros sintomas.

Esta fadiga emocional transpõe-se para o lado social. Estamos também socialmente desanimados. Os nossos comportamentos mudaram pelas restrições e pelas aflições, tornando-se mais repetitivos e autodestrutivos. Por um lado, o lugar, o tempo e os modos para o convívio são tão curtos que as lógicas de relacionamento são muitas vezes fastidiosas e ausentes de grandes alegrias. A maior parte de nós é responsável e não realiza festas com multidões. Não nos podemos aproximar muito e aparentamos sempre medo e desconfiança, ora porque existe por aí um vírus, ora porque olhamos os outros exactamente como olhamos para nós mesmos: com inquietação. Por outro lado, vários de nós pouco recuperaram dos efeitos do confinamento, enveredando por um fechamento mental que se traduz num muito maior tempo em casa, longe de quase todos os outros, assistindo muito tempo a notícias e tomando fármacos para diminuir a ansiedade.

Não estamos felizes. Gostaríamos de estar, ninguém ama a infelicidade senão como um caminho reflexivo para a felicidade. Só que, definitivamente, este não é um momento de alegria. É um momento de frustração, de raiva, de autoculpabilização e de um incansável esforço para parecer bem e conseguir alguma produtividade.

Por isso, não podemos estar tão sozinhos nesta batalha. Queremos uma companhia que, mesmo não-física, seja calorosa e duradoura. Queremos o vosso amor, família, e também o vosso amor, amigos, sociedade. Em cada abandono, em cada estigmatização que nos fazem aos nos percepcionarem como pessoas que apresentam muitas ambições e poucos resultados estão a colocar-nos novos motivos para os mesmos desânimos.

Prometemos, também, não falhar. Às vezes enchemo-nos de orgulho quando nos dizem que somos o futuro do país; mas noutras sentimos o peso da responsabilidade que se afigura nossa exclusivamente e emerge como demolidora nesta actualidade pandémica. É por este motivo que ficamos tristes com estas pressões extemporâneas e descontextualizadas. Apreciamos e agradecemos, porém, cada apoio, cada acreditar que nos transmitem todos aqueles que amamos e a quem queremos dar abraços infinitos quando todas as contenções finalmente terminarem.

E agora para todos vós, nós, estudantes, adolescentes e jovens adultos – tenhamos esperança. Não desistamos. Acreditemos em nós mesmos e em todos os que nos acompanham. São estas as nossas pujanças. Só assim poderemos construir e ver a arquitectura de um mundo novo, de que nos orgulhemos e onde nos sintamos activos, diligentes e revitalizados.

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