Tribunal Constitucional vai avaliar decisão do Supremo sobre restrições de circulação

Ordem dos Advogados apoia recurso de uma advogada a quem o Supremo Tribunal Administrativo não deu razão nas críticas à resolução do Conselho de Ministros que a impediram de circular sem justificação escrita.

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O bastonário dos Advogados apoia o recurso para o Tribunal Constitucional Nuno Ferreira Santos

O Tribunal Constitucional vai ser chamado a pronunciar-se sobre a decisão do Supremo Tribunal Administrativo (STA) sobre as restrições de circulação entre concelhos no fim-de-semana alargado dos finados, impostas através de resolução do Conselho de Ministros. Em causa está o processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias feito por uma advogada, Cátia Feiteiro Lopes, que se viu impedida de se deslocar em trabalho por não ter uma justificação escrita para tal.

“Vai ser a primeira vez que o Tribunal Constitucional terá oportunidade de se pronunciar sobre decisões do Governo relativas à pandemia”, afirmou ao PÚBLICO o bastonário da Ordem dos Advogados (OA), Luís Menezes Leitão, estrutura que vai apoiar o recurso de Cátia Feiteiro Lopes. Até agora, o TC apenas se pronunciou sobre o confinamento obrigatório de 14 dias imposto pelo Governo Regional dos Açores a quem chegava à região autónoma, considerado inconstitucional num acórdão de 31 de Julho.

O bastonário justifica o apoio a este recurso com base na atribuição da Ordem de “defender o Estado de Direito e os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos”. E lamenta que a Ordem dos Advogados não tenha legitimidade para fiscalizar a constitucionalidade das leis, ao contrário do que acontece com a sua congénere brasileira e como os advogados portugueses têm vindo a pedir.

“A Ordem dos Advogados tem vindo a assistir com muita preocupação à emissão de sucessivas Resoluções do Conselho de Ministros que constituem actos de natureza meramente regulamentar, sem controlo do Parlamento nem promulgação pelo Presidente da República, mas que apesar disso têm vindo a restringir consideravelmente ou mesmo a suspender os direitos fundamentais dos cidadãos”, lê-se na nota do bastonário publicada no sítio electrónico da OA publicada esta terça-feira.

De acordo com a OA, a advogada Cátia Feiteiro Lopes interpôs no Supremo Tribunal Administrativo (STA) uma intimação tendo por base a contestação da proibição de deslocação entre concelhos, afectando assim o exercício da sua actividade profissional. O STA considerou improcedente o processo, em simultâneo com outro sobre o mesmo assunto interposto pelo partido Chega!, mas a decisão teve o voto vencido de um juiz que considerou que a Resolução do Conselho de Ministros estava ferida de inconstitucionalidade.

“De facto, a Resolução do Conselho de Ministros só prevê a deslocação entre concelhos a advogados que apresentem prova de agendamento de actos processuais (restrição que não abrange magistrados, que conservam assim o direito de deslocação). Além da injustiça da medida, é posta em causa a possibilidade de a suspensão de um direito fundamental (deslocação de pessoas) ser feita através de uma simples Resolução de Conselhos de Ministros fora de um quadro de Estado de Emergência”, refere a nota da Ordem dos Advogados.

A argumentação que será utilizada junto do Tribunal Constitucional já é ensaiada na nota, onde é citada a doutrina de Gomes Canotilho e Vital Moreira, que na sua Constituição da República Portuguesa, anotada sustentam que, “não estando este direito [de circulação] sujeito a reserva de lei restritiva, ele só pode ser limitado, para além dos estados de excepção constitucional (v. g., quarentena em caso de epidemia), por efeito de pena ou medida de segurança ou medida preventiva constitucionalmente admitida (prisão, semidetenção, regime de prova, fixação de residência, liberdade condicional, etc.)”.

“Parece assim claro que, nos termos da Constituição, fora do estado de emergência não é permitida uma privação da liberdade de deslocação da generalidade dos cidadãos, como a que se passou no passado fim-de-semana”, sustenta a Ordem dos Advogados.

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