No pasarán?

Posições como a do bispo do Porto vêm reforçar este sentimento de insegurança e impotência que marca a Europa do século XXI. “No pasarán”? Nada menos certo…

Assistimos nos últimos dias a mais um violento atentado terrorista na Catedral de Nice, em França, que vitimou três pessoas, o seu sacristão e duas mulheres, uma das quais “degolada e quase decapitada”, segundo fonte policial, a outra de origem brasileira, mãe de três crianças, esfaqueada até à morte num café onde se tentou refugiar. Este atentado vem no seguimento de uma série de crimes cometidos de forma violenta em diversos países da Europa, mas muito especialmente em França.

Tal como o recente assassinato e decapitação do professor de história, Samuel Paty, ambos os seus autores são de religião muçulmana, assim como os perpetradores dos seis atentados levados a cabo, ou frustrados, neste ano de 2020, e dos 32 ocorridos em França desde 2017. Tal como são de religião islâmica, não a totalidade, mas a grande maioria dos autores dos atentados terroristas na Europa.

Porquê? Quais as razões que levam homens e mulheres a sacrificar a própria vida, não só para assassinar pessoas inocentes, como a fazê-lo da forma bárbara e cruel a que temos assistido?

D. Manuel Linda, bispo do Porto, tem uma resposta que publicou no Twiter: “O atentado de ontem, na Catedral de Nice, não é luta do Islão contra o Cristianismo, é o resultado dos preconceitos daqueles europeus que não só não fomentam o diálogo intercultural e inter-religioso como estão sempre de dedo em riste a acusar as religiões.”

Na verdade, não sei se o homem que escolheu a Catedral de Nice é ou não contra o cristianismo, mas o facto é que escolheu um símbolo cristão por excelência, o que certamente não terá sido por acaso. No entanto, o que para mim é mais preocupante na argumentação do bispo do Porto é o imputar da responsabilidade do acto terrorista à secularização ou ao laicismo “daqueles europeus”, ilibando assim ou desculpando de alguma forma os actos bárbaros que têm vindo a ser cometidos. Ou seja, mais uma vez a culpa é “nossa”, não dos criminosos…

Sabemos que na Europa, e não só, um dos princípios fundamentais da liberdade de consciência, do respeito e da coexistência de todas as religiões, da democracia e do progresso, reside na separação do Estado e da Religião. Nomeadamente desde as Constituições americana e francesa, César não é Deus e Deus não é César. O que não significa que não possam ser amigos.

A secularização foi e continua a ser um factor indispensável de evolução e desenvolvimento, de respeito pela fé individual e colectiva e da dignidade humana. Todos cabem no seio de um Estado secular: praticantes das mais diversas religiões, ateus ou agnósticos, mas com uma condição, o respeito pelos seus valores, leis e costumes. O que os fanáticos, não só muçulmanos, mas de todas as religiões se recusam a aceitar, embora felizmente nem todos da mesma forma.

A França é, entre os países europeus, o que mais longe levou o laicismo, por vezes mesmo demasiado longe. Mas nada, absolutamente nada, explica, justifica ou apaga os actos de quem pretende impor uma cultura de ódio, de obscurantismo e retrocesso como a que caracteriza os recentes atentados. Por isso, apoio as medidas que o Presidente Emmanuel Macron tem vindo a tomar, apenas com um único receio: é que venham demasiado tarde. Também não ignoro que estes atentados não representam o mundo muçulmano de uma forma geral, mas a verdade é que temos assistido a uma radicalização progressiva das suas franjas, infelizmente alimentada pela ambição política de Recep Tayyip Erdogan, Presidente da Turquia e candidato ao sultanato do mundo islâmico.

A Europa, os europeus, o mundo ocidental, como se quiser chamar, têm ao longo dos séculos actos, épocas e momentos de grande barbárie. Tal como outros continentes e países. No entanto, ninguém se mortifica, penitencia e auto-flagela como a Europa e os europeus. Aparentemente poderíamos pensar que é uma boa coisa, uma espécie de vacina contra o mal. Mas uma coisa é conhecer e reflectir sobre o passado, tirando se possível algumas lições. Outra é a auto-crítica destrutiva, a auto-detestação permanente que desgastam progressivamente a confiança, a coragem e a força para defender os valores europeus. Infelizmente, posições como a do bispo do Porto vêm reforçar este sentimento de insegurança e impotência que marca a Europa do século XXI. “No pasarán”? Nada menos certo…

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