A batalha entre Progressistas e Tradicionalistas na América

Anatol Lieven escreveu que “os Estados Unidos são a mais moderna e a mais tradicionalista das sociedades do mundo desenvolvido. O choque destas duas realidades está a contribuir para a crescente polarização da América”. Esta história não começou em 2016. Há décadas que o país se tem vindo a polarizar, o que é visível, por exemplo, na extinção dos republicanos liberais e dos democratas conservadores na Câmara dos Representantes e no Senado. Mas agravou-se no últimos anos, ao ponto de hoje parecer que uns norte-americanos são de Vénus e outros de Marte.

Ao contrário do que muitos gostam de dizer, Donald Trump não foi a causa da atual polarização extrema dos EUA, foi antes um sintoma disso, apesar de ele ter explorado e acentuado as divisões profundas que já existiam. Em rigor, Republicanos e Democratas partilham as culpas, sendo difícil ignorar, desde logo, a quota de responsabilidade de Barack Obama neste fenómeno.

Apesar da aparência de moderação, Obama trouxe uma nova proposta de ideia de América e uma tentativa de mudança de mentalidades no país. Ele tomou iniciativas para uma presença mais forte do Estado na vida dos cidadãos. Declarou que o “Sonho Americano” se tinha transformado, já não sendo feito apenas de empreendedorismo individual, mas de uma comunidade institucional e social com a obrigação de ajudar tanto os mais fracos quanto os mais capazes. Privilegiou grupos particulares baseados no género, na raça, no credo e na nacionalidade, através da adoção de várias medidas de discriminação positiva (a “Affirmative Action”). Declarou a morte do self made man como o herói nacional, colocando no seu lugar homens e mulheres comuns que passam por momentos mais ou menos difíceis na vida. E, claro, impôs o Obamacare, um embrião de sistema nacional de saúde à europeia.

Como defendeu a socióloga Arlie Russell Hochschild, tudo isto estava nos antípodas dos valores e da identidade dos tradicionalistas, que se sentiram “estrangeiros no seu próprio país” e revoltaram-se. Trump aproveitou-se disso e ofereceu-lhes uma conceção étnica, nacionalista, nativista e até, em certo sentido, reacionária, assente num regresso à América predominantemente WASP (branca, anglo-saxónica e protestante), patriota, individualista, devota a Deus, de famílias tradicionais, constituída por pessoas perseverantes e honradas que sobem na vida pelo trabalho árduo e não pela “caridade” do Estado. Em síntese, o 45.º Presidente devolveu-lhes o que consideram ser a “verdadeira América”.

Não sei quem vai ganhar estas eleições presidenciais. Mas o argumento aqui defendido é que, vença Joe Biden ou Donald Trump, a batalha entre progressistas e tradicionalistas pela identidade e a alma da América está para durar e tem tudo para acentuar-se, dividindo cada vez mais o país em duas “tribos” que se odeiam e se veem mutuamente como “o mal”. Os mais otimistas que se desiludam: haja o que houver, no dia seguinte tudo isto estará lá na mesma. 

Sugerir correcção