Impossível recolher vestígios das munições entregues por ladrão de Tancos

Material bélico estava mergulhado em óleo, para não oxidar. Alguns suspeitos do assalto irão negar ter estado nos paióis na madrugada do assalto. Julgamento começa hoje no Tribunal de Santarém.

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LUSA/PAULO NOVAIS

É praticamente impossível recolher vestígios das munições entregues há duas semanas à Polícia Judiciária por João Paulino, o líder do assalto a Tancos. Para evitar que o material bélico enferrujasse, o ex-fuzileiro colocou as munições dentro de garrafões que encheu de óleo, apagando assim quaisquer vestígios de ADN ou impressões digitais que o material bélico pudesse apresentar. Mas mesmo que não o tivesse feito a recolha de resquícios biológicos de quem manuseou o material bélico não se revelaria fácil, dado os mais de três anos decorridos desde o assalto, uma vez que este tipo de vestígios se vão degradando e desaparecendo com a acção do tempo.

Foi a 16 de Outubro que João Paulino foi com vários inspectores da Polícia Judiciária até a uma propriedade que a sua família tem em Penela, no centro do país, para recuperar os garrafões, que tinham sido enterrados com as munições imersas em óleo lá dentro. A operação de resgaste do material começou logo de manhã mas prolongou-se pelo início da tarde, impedindo o antigo fuzileiro, que chegou a ser dono de um bar em Ansião, localidade onde mora, de comparecer à leitura de uma sentença em tribunal que o ilibou do envolvimento no roubo de outras armas - a centena e meia de pistolas Glock furtadas do armeiro da sede nacional da PSP, em Lisboa.

Ao contrário deste último caso, não há praticamente material nenhum furtado dos paióis de Tancos que possa ser considerado uma arma, no sentido comum do termo. João Paulino e pelos seus comparsas levaram sobretudo consigo munições e explosivos, incluindo granadas, que transportaram em dois carrinhos de mão para uma carrinha. Algum deste material estava, porém, imprestável, como os lança-foguetes: faltavam-lhes peças.

Três cabras e um sargento

A operação de resgate efectuada em Penela veio revelar mais um detalhe quase burlesco: foram entregues pelo líder do assalto a Tancos bastantes mais munições do que aquelas que o Exército tinha contabilizado como estando desaparecidas. Já quando João Paulino tinha resolvido fazer a primeira entrega, na Chamusca, escassos meses depois do assalto, apareceram mais explosivos do que os registados pelos militares como estando em falta. Em Outubro de 2017 foram alvo de chacota nacional as revelações do então chefe de Estado-Maior do Exército, Rovisco Duarte, de que tinha aparecido em terrenos ribatejanos uma caixa de petardos “a mais”.

No material depositado em Penela havia munições de calibre 22 e de nove milímetros. O Laboratório de Polícia Científica da Judiciária ficou encarregue de efectuar uma perícia balística por amostragem a este material para depois entregar um relatório ao tribunal, apurando se as munições estavam em condições de ser disparadas. Trata-se do único laboratório em solo nacional credenciado para o fazer. Depois disso o material será devolvido aos militares.

Entretanto, a estratégia de defesa de alguns dos suspeitos do assalto no julgamento que hoje começa no Tribunal de Santarém deverá passar por negarem ter estado nos paióis naquela madrugada. A verdade é que não há testemunhas oculares da sua presença nas instalações militares, tirando eventualmente, segundo o despacho de acusação, três cabras que também conseguiram entrar naquele perímetro, e que foram avistadas ainda durante a tarde por um sargento que andava a fazer a ronda. Foram a única anomalia detectada pelo militar de serviço aos paióis nesse dia.

O facto de os arguidos terem desligado os telemóveis na noite de 27 para 28 de Junho, quando ainda se encontravam todos em Ansião, para não virem a ser denunciados mais tarde pelas antenas das operadoras de telecomunicações da zona, significa que se torna impossível a sua localização celular entre a uma e as quatro da manhã, hora a que tudo aconteceu – ao contrário das expedições de reconhecimento que João Paulino e alguns dos seus cúmplices fizeram antes ao interior do perímetro, que ficaram registadas quer desta forma quer, nalguns casos, na passagem por portagens na auto-estrada. Como o juiz de instrução criminal Ivo Rosa não autorizou que fossem postos sob escuta quando surgiu a indicação, através de um informador das autoridades conhecido como Fechaduras, de que podia estar a ser preparada uma operação desta envergadura, não existem escutas aos arguidos antes do assalto.

Entre os indícios de que se socorreu o Ministério Público para comprovar a presença dos sete homens nos paióis naquela madrugada está o depoimento de um dos próprios assaltantes. Os 80 quilómetros entre Ansião, local onde se terão todos encontrado, e Tancos foram percorridos por estradas nacionais, pelo que também não há registos de portagens.

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