Consequências da desglobalização

A desglobalização decorrente da pandemia promove a incorreta afetação de recursos à escala mundial e à escala nacional, estimulando o desperdício de recursos e a perda global de bem-estar social. E penaliza também o crescimento económico.

Em rigor, desde a crise económica e financeira de 2008, causada pela desregulação do capital financeiro, que o processo de globalização revelava sinais de abrandamento. Atualmente, os países procuram combater a pandemia covid-19 e o abrandamento tornou-se ainda mais evidente. Se, por um lado, a globalização facilitou a rápida difusão global da covid-19, pela promoção de uma expressiva ligação das pessoas e das sociedades à escala planetária, por outro lado, está também a ser afetada pela covid-19 não apenas no nível, mas também nas suas características mais particulares.

O vírus interrompeu a livre circulação de pessoas e impôs o encerramento de fronteiras. Provocou a paralisação temporal quase total da atividade económica e tem servido de teste ao funcionamento de organizações internacionais, desde logo à Organização Mundial de Saúde. Aconteça o que acontecer, deverá continuar a assistir-se ao acentuar do processo de desglobalização que já vinha a acontecer desde 2008. Em particular, a estagnação do comércio internacional é evidente. Mas quais serão então as consequências associadas a esta estagnação?

A desglobalização favorece as atividades económicas direcionadas para o mercado interno face às atividades direcionadas para mercados externos e pode ser uma solução temporária no caso de emergência de indústrias nascentes. Assim se entende que alguns países tenham agora percebido a sua dependência para obterem alguns bens essenciais que até poderão internamente produzir de modo eficiente.

No entanto, o expectável é que, em termos económicos e globalmente falando, ocorram efeitos negativos para todos os países participantes, diretamente ou indiretamente, dado que as cadeias de produção e consumo estão interligadas. Do mesmo modo que o modelo económico assente na especialização do trabalho entre países criou eficiências, tirando milhões de seres humanos da fome e da miséria, também o inverso é previsível.

Em termos de efeitos estáticos, imediatos/de nível, na sequência da limitação do comércio internacional, espera-se uma diminuição do preço internacional/mundial de cada bem ou serviço exportado. Face à menor procura de cada bem ou serviço no mundo, o excesso de oferta gerado levará à diminuição do preço. Em cada sector afetado, a produção e as exportações diminuem e o consumo aumenta, daqui decorrendo um impacto negativo para a dívida externa.

Com a descida do preço, o aumento do consumo interno e a diminuição da produção doméstica, que acabará por ter efeitos também ao nível do mercado de trabalho, melhora o excedente do consumidor (ou seja, a diferença entre o que se paga e aquilo que se estava disposto a pagar, porque a utilidade marginal supera o preço até à última unidade consumida) e reduz-se o excedente do produtor (ou seja, a diferença entre o que se recebe e o que se estava disposto a receber, porque o custo marginal é inferior ao preço até à última unidade produzida). Tratando-se de um bem ou serviço exportado, a perda para os produtores é maior que o ganho para os consumidores, pelo que no mercado interno haverá uma perda líquida de bem-estar social (medida que corresponde à soma dos excedentes e é utilizada para avaliar o impacto económico).

Além disso, a desglobalização diminui o potencial de importações, mas também de exportações. Trata-se sempre de um passo suplementar na direção da autarcia e, por afetar preços relativos, também internamente acaba por afetar estruturas produtivas e provocar transferências forçadas de ativos ou recursos. Em suma, há um bloqueio à especialização de acordo com o princípio das vantagens comparativas, que se traduz em menor eficiência económica e, enquanto tal, em perda de bem-estar para a sociedade.

Acresce que a desglobalização limita a concorrência internacional que é benéfica para consumidores e para produtores que utilizam bens intermédios importados e/ou são desafiados por novos concorrentes. Ao limitar a concorrência, afeta a criação de conhecimento, a descoberta de novos produtos e processos, a especialização em determinadas cadeias produtivas e segmentos de mercado, a participação na cadeia de negócios e, por isso, muitos empreendedores deixarão de mobilizar esforços na adaptação da estrutura produtiva e organizacional.

Além disso, quanto menor for a concorrência, maior o risco de corrupção e menor a probabilidade de empresas menos eficientes perderem espaço, de ajustamento nos mercados de trabalho, de florescimento de novas empresas, de pressão sobre a remuneração dos fatores (o que inclui os salários), de aumento da equidade na repartição da riqueza (contribuindo-se assim para o aumento das desigualdades), e de redução dos custos operacionais e de transação por causa das economias locais, setoriais e organizacionais de escala ou de inovações. Adicionalmente, quanto maior a desglobalização, menor é a probabilidade de que, no longo prazo, aumente a diversificação do tecido produtivo, de que os processos de inovação dos bens e serviços sejam acelerados, e de crescimento da produtividade e da acumulação de capital (humano) na economia.

Em suma, a desglobalização decorrente da pandemia promove, por definição, a incorreta afetação de recursos à escala mundial e à escala nacional, estimulando o desperdício de recursos e a perda global de bem-estar social. Ao limitar a concorrência, a escala de produção, e a quantidade e qualidade do investimento penaliza, também, o crescimento económico.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

Sugerir correcção