Recriar o local no desenvolvimento. A história de um jardim do Porto

A história do projeto Sons do Jardim, que tivemos o prazer de acompanhar e avaliar, desafiou-nos a compreender melhor o lugar do “local” no desenvolvimento.

Ao discutir-se o “desenvolvimento local” o debate tende a centrar-se, sobretudo, na ideia de “desenvolvimento”, desvalorizando o papel do “local”. Como se a “localidade” fosse algo evidente, que não carece de questionamento, exploração, experimentação ou construção. Mas o que significa? Quais os seus contornos? E onde acontece, verdadeiramente, o desenvolvimento local? Poderá acontecer num jardim público?

A história do projeto Sons do Jardim, que tivemos o prazer de acompanhar e avaliar, desafiou-nos a compreender melhor o lugar do “local” no desenvolvimento. Entre janeiro e dezembro de 2019 este projeto procurou contribuir para uma maior fruição e apropriação comunitária do Jardim Paulo Vallada, o espaço verde mais amplo da freguesia do Bonfim (Porto) e um importante ponto de encontro intergeracional.

Apoiado pelo Orçamento Colaborativo da Junta de Freguesia do Bonfim e promovido pelas organizações PELE: espaço de contacto social e cultural, Rede Inducar, Associação O Meu Lugar no Mundo, Associação dos Amigos das Deficiências Intelectuais e Desenvolvimentais e coletivo Moradavaga, o Sons do Jardim envolveu crianças, jovens e adultos da comunidade envolvente e de outros pontos da cidade num conjunto diversificado de atividades regulares de experimentação artística (workshops, grupo de teatro, oficinas de construção) e de participação cívica (oficinas de cidadania e de liderança, assembleias de vizinhos). Daqui resultaram a criação e a apresentação de um espetáculo comunitário no jardim Paulo Vallada – a peça “Ilha-Jardim” – e a elaboração de uma Carta de Vizinhos com sugestões e compromissos para a valorização e dinamização deste espaço público.

Enquanto processo de criação coletiva de base comunitária, destacou-se neste projeto a capacidade de promover “encontros improváveis” entre diferentes (e por vezes distantes) pessoas e organizações da comunidade, criando lugar para a (auto)descoberta, para a interligação e para o reconhecimento público de diversas histórias de vida, linguagens e vontades em torno da idealização e da vivência do jardim Paulo Vallada. Como resultado, este passou a ser percecionado pelos participantes como um espaço com potencial para (fazer) acontecer, reforçando o sentido de pertença ao local e fazendo da participação comunitária um ato expressivo, de prazer, de aprendizagem, de partilha e diálogo, de reflexão crítica e de envolvimento coletivo.

Projetos como o Sons do Jardim relembram-nos que a finalidade do desenvolvimento local é justamente a de (re)criar a “localidade”, ampliando os seus limites e abrindo espaços de “morada” dignos para a diversidade que a habita. Quando acreditamos no potencial das pessoas e promovemos oportunidades de colaboração interpessoal e institucional na governação do espaço público, estamos a criar desenvolvimento. E quando tomamos o espaço público como um pretexto e um contexto — material e simbólico — para a construção de mais encontros e de mais comunidade, estamos a recriar o local.

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