Justiça do Quebeque debate polémica lei que proíbe símbolos religosos no trabalho

Legislação foi aprovada em Junho de 2019 e tem sido contestada desde então. “Muita gente ficou sem trabalho simplesmente por causa daquilo que veste ou daquilo em que acredita”, denunciam opositores.

Foto
Christinne Muschi/Reuters Protesto no Quebeque em Junho de 2019, quando a lei foi aprovada

Uma polémica lei imposta em 2019 no Quebeque, no Canadá, que proíbe funcionários públicos de utilizarem símbolos religiosos no local de trabalho, vai ser analisada pelo Tribunal Superior do Quebeque na segunda-feira, depois de várias organizações de defesa dos direitos humanos terem apresentado queixa contra uma legislação que consideram discriminatória.

Conforme escreve o jornalista Jonathan Montpetit, da televisão pública CBC, “alguns dos princípios mais básicos da democracia canadiana vão a julgamento” na segunda-feira. 

Em causa está a Lei 21, apelidada de “lei da laicidade”, aprovada em Junho de 2019, que proíbe professores, advogados, polícias, políticos e outros funcionários públicos de usarem símbolos ou adereços religiosos no trabalho, incluindo o véu islâmico, no caso das mulheres, a kippa utilizada pelos homens judeus, e os turbantes utilizados pelos sikhs.

“Muita gente ficou sem trabalho simplesmente por aquilo que veste ou por aquilo em que acredita”, disse à Al-Jazeera Mustafa Farooq, responsável do Conselho Nacional de Canadianos Muçulmanos (NCCM, na sigla em inglês), uma das organizações que apresentou queixa contra a controversa Lei 21.

“As pessoas tiveram de mudar de província e deixar de ser quem são. Isso não é aceitável. É por isso que nunca vamos parar de combater a Lei 21”, acrescentou.

Outras organizações como a Associação pelas Liberdades Civis no Canadá (CCLA), a Ichrak Nourel Hak, uma organização de defesa dos direitos das mulheres muçulmanas, ou a Coligação para um Quebeque Inclusivo, que reúne praticantes de várias religiões, juntaram-se à queixa que vai ser analisada na segunda-feira pelo Tribunal Superior.

Os queixosos apontam particularmente para a discriminação sentida pelas mulheres muçulmanas, as principais visadas pela legislação. De acordo com a CBC, que cita os números apresentados pelas organizações de defesa dos direitos humanos, pelo menos dez mulheres muçulmanas perderam o emprego devido à lei e dezenas foram obrigadas a escolher entre deixar de usar o véu islâmico (hijab) ou progredir na carreira. 

“O que está em causa é o futuro de muitas pessoas, se elas podem ou não trabalhar. É a liberdade de expressão, a liberdade religiosa, a liberdade de consciência, a nossa Constituição. Tudo isso está em causa”, disse Diane Rollert, presidente da Coligação para um Quebeque Inclusivo à estação televisiva pública canadiana.

O Governo do Quebeque, por seu lado, nega que a Lei 21 viole a liberdade religiosa e considera-a importante para responder às preocupações dos cidadãos, uma forma de defender o secularismo na província.

Um dos seus principais defensores é o primeiro-ministro do Quebeque, François Legault, que sublinha que a legislação é apoiada pela maioria dos cidadãos da província.

Contudo, os opositores da Lei 21 acusam François Legault de ignorar o sentimento anti-muçulmano que tem vindo a crescer no Canadá, e no Quebeque em particular, com o primeiro-ministro daquela província a negar repetidamente a existência de racismo sistémico, considerando tal acusação um “ataque ao povo do Quebeque”.

“É impossível negar que existem partes xenófobas nesta lei”, contrapõe Mustafa Farooq, acrescentando que “existe uma razão para esta lei partir de um homem [Legault] que recusa utilizar o termo racismo sistémico”.

O sentimento de islamofobia, no entanto, ainda está presente para muitos cidadãos do Quebeque, que têm na memória o atentado de Janeiro de 2017, quando homens armados abriram fogo numa mesquita, causando a morte de seis pessoas. Em Setembro deste ano, um muçulmano foi assassinado à entrada perto de uma mesquita, num ataque perpetrado por um militante de extrema-direita.

O veredicto sobre a Lei 21 poderá levar várias semanas, e mesmo após uma decisão, seja ela favorável aos queixosos ou contrária, é expectável que mais tarde ou mais cedo chegue ao Supremo Tribunal do Canadá.

Sugerir correcção